A capacidade da atual arquitetura financeira internacional de lidar com desafios globais urgentes, como o enfrentamento às mudanças climáticas e o combate à pobreza, é uma das principais pautas em debate no G20, grupo que reúne as maiores economias do mundo – e cuja presidência rotativa o Brasil ocupa este ano. As discussões incluem desde propostas de mudanças nas instituições multilaterais, como Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, até a criação de uma tributação global para super-ricos. 

“O que se busca é uma ordem mais justa e igualitária. Se o sistema atual não provê soluções, precisamos reinventá-lo, e isso pode ser feito mudando a estrutura atual, que limita a alguns países poderosos todas as decisões”, afirma a economista indiana Jayati Ghosh, professora na Universidade de Massachusetts (EUA), durante a conferência global “Retrofit for Purpose: Reformando a Arquitetura Financeira Internacional”, realizada no Rio de Janeiro.

O encontro foi promovido em agosto pela rede de pesquisa International Development Economics Associates (IDEAs) e pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O evento reuniu mais de 60 especialistas da África, Ásia e Américas para refletir sobre as mudanças no sistema financeiro internacional frente ao atual ambiente econômico e geopolítico. Antes da conferência, 36 estudantes de pós-graduação de 16 países do Sul Global participaram de um workshop de dois dias sobre o tema.

“Pela primeira vez, o G20 traz o olhar do Sul Global para as discussões. Ouvir essas vozes é fundamental para promover a reforma da arquitetura financeira internacional”, destaca Margarita Olivera, professora do Instituto de Economia da UFRJ e uma das organizadoras da conferência. Um documento com as propostas discutidas no evento será enviado para a cúpula dos chefes de Estado do G20, marcada para ocorrer no Rio de Janeiro em novembro de 2024.

Na conferência, a urgência da reforma da arquitetura financeira internacional foi unanimidade entre os especialistas. Para o indiano Prabhat Patnaik, professor emérito da Universidade Jawaharlal Nehru, em Nova Delhi, a reestruturação deve ser profunda e não se restringir a meras substituições no sistema atual, como trocar o dólar por outra moeda.

“A mudança deve significar um deslocamento completo das finanças da posição hegemônica que elas têm hoje”, enfatiza Patnaik. Ele propõe que, em vez de se manter um sistema internacional de comércio e pagamentos, seria mais eficaz para o Sul Global ter economias mais autossuficientes ou formar grupos de países, formando unidades relativamente autárquicas, para comercializar com o mercado exterior apenas na medida necessária. 

Crise da dívida externa dos países em desenvolvimento 

O superendividamento dos países em desenvolvimento tem sido um dos pontos centrais nas discussões sobre a reforma do sistema atual. A economista Yuefen Li, consultora sênior no South Centre em Genebra, alerta que apenas os países africanos acumulam dívida de cerca de US$1,3 trilhão. “Com as altas seguidas do dólar, aumento dos juros, países em déficit perdem bilhões sem que instituições multilaterais atuem para evitar isso”, pontua. Li destaca que o momento é ideal para a África se engajar em negociações, considerando que o tema está em pauta no G20 e que a próxima cúpula das 20 maiores economias do mundo ocorrerá na África do Sul.

Entre as propostas discutidas pelos economistas para aliviar o endividamento desses países, estão a melhoria do acesso à liquidez internacional a taxas de juros razoáveis, além do desenvolvimento de regras para reduzir ou minimizar os efeitos colaterais das medidas de política monetária adotadas pelos bancos centrais do Norte Global. 

Há um consenso crescente sobre a necessidade de reestruturação das instituições financeiras internacionais, com mudanças na governança, objetivos, métodos e regras de financiamento. “As cotas e as fatias de votos nesses organismos não refletem as reais condições da economia global. Os países ricos seguram suas fatias e mantêm o controle”, explica Jayati Ghosh.

Na visão de Ghosh, essas instituições não mudarão a menos que sejam forçadas ou sintam que se tornarão irrelevantes. Ela aponta que novos arranjos e novas rotas comerciais já surgem entre países emergentes, como a China. “Isso ocorre não apenas porque os países querem isso, mas porque não têm opção, por exemplo, quando há imposição de sanções”, acrescenta.

Urgência no financiamento climático

Outro ponto crítico abordado nas discussões sobre a reforma é a necessidade de aumento das contribuições bilaterais das economias de alta renda, que são grandes emissoras de gases de efeito estufa, para o enfrentamento da crise climática nos países em desenvolvimento. Jomo Kwame Sundaram, membro da Academia da Ciência da Malásia e professor na Universidade de Malaya, reforça que o financiamento para alcançar o desenvolvimento sustentável é crucial. Ele lembra que as Nações Unidas propuseram, em 2008, um novo Acordo Verde Global (Global Green New Deal) para revitalizar a economia e o comércio mundial, ao mesmo tempo em que incluía a sustentabilidade ambiental no contexto do desenvolvimento multilateral.

“Mas, parece não haver nos países ricos a disposição de investimento, apesar das promessas feitas”, afirma Sundaram. Essa restrição, de acordo com ele, pode ser superada com a emissão regular e massiva de direitos especiais de saque para permitir que os países de baixa e média renda promovam seu desenvolvimento sustentável, especialmente para adaptação. “Isso permitiria produtividade, crescimento e renda para os pobres, independentemente da disposição das nações ricas de cumprir seus compromissos”, conclui.

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