São Paulo 10/1/2022 – “Vemos a transição energética como uma transformação, e não mais como uma transição”, diz Marcos Cintra, coordenador de Petróleo e Gás Natural da Abdib
Empresários e autoridades do setor elétrico brasileiro presentes em evento indicam que o Brasil está diante de muitas oportunidades, mas também precisa superar desafios estruturais, regulatórios e comerciais
A crise hídrica pela qual o Brasil passa em 2021 reforçou a importância da presença do gás natural como fonte para a produção de eletricidade térmica, contribuindo para oferecer mais segurança no abastecimento elétrico em momento em que os reservatórios das hidrelétricas estão na marca de 20% do volume, segundo relatório de outubro do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Mas o gás natural será também essencial para a transição energética dentro do contexto das mudanças climáticas na medida em que é um insumo menos poluente que outros de origem fóssil. Além disso, ele assume posição estratégica para ampliar a participação entre os insumos energéticos utilizados por indústrias de vários setores produtivos. Mas, para servir estes propósitos, o gás precisa estar disponível e a custo competitivo, o que exigirá a superação de desafios estruturais, regulatórios e comerciais e a criação de políticas públicas, permitido viabilizar assim o desenvolvimento das reservas do pré-sal a custos competitivos e em tempo hábil com o movimento das mudanças climáticas.
Esses foram os principais pontos discutidos no quinto episódio da websérie Transição Energética e o Desenvolvimento Sustentável, realizado pela Abdib no dia 12 de novembro, que abordou o papel do gás natural como alternativa na transição energética global e brasileira. O debate trouxe a opinião de autoridades públicas e especialistas do setor privado, como Heloísa Borges Esteves, diretora de Estudos de Petróleo, Gás Natural da Empresa de Pesquisa Energética (EPE); Sylvie D’Apote, diretora executiva de Gás Natural do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP); Paulo Pedrosa, presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace); Carla Primavera, superintendente da Área de Energia do BNDES; e Marcos Cintra, diretor de Relações Institucionais da Eneva.
Venilton Tadini, presidente da Abdib, abordou na inauguração do evento que autoridades energéticas respeitadas indicam que o gás natural “terá contribuição importantíssima” para o suprimento energético geral enquanto indústrias e países se adaptam e aumentam a escala das renováveis. “O gás natural assume essa função estratégica na transformação energética – e por algumas razões. A mais evidente é porque, apesar de ser um combustível fóssil, ainda é menos poluente que seus pares, como carvão e petróleo, para servir de base para a geração de calor e eletricidade. Um segundo fator nada desprezível é que o gás natural já conta com uma infraestrutura instalada e bastante desenvolvida em diversos países”, explicou.
Marcos Cintra, que também é coordenador do Comitê de Petróleo e Gás Natural da Abdib, pontuou que há um processo de aceleração da transição energética, um novo ritmo, marcado por queda consistente do preço e maior inserção das renováveis. Segundo ele, a substituição não tem sido gradual como era esperado, mas sim muito mais rápida. “Vemos a transição energética como uma transformação, e não mais como uma transição. É um movimento muito positivo em termos ambientais. Isso abre um horizonte expressivo para o gás natural, um energético de transição”, disse, lembrando que o gás oferece estabilidade diante do caráter intermitente de muitas fontes renováveis em expansão.
Para a diretora da EPE, Heloisa Borges, a transição energética não é um processo linear, por envolver a descarbonização de fontes, o que consequentemente implica em mudar dezenas de matrizes energéticas mundo afora e adotar estratégias para o uso mais eficiente de energia. Heloisa disse que o gás poderá ter participação não apenas na matriz elétrica, mas como combustível que abastecerá frotas de caminhões. Por fim, ela ainda ressaltou que o gás poderá ter papel mais relevante no Brasil com a exploração gradual da camada pré-sal, em que há gás associado ao óleo extraído. Como há limites ambientais para a queima e existem obstáculos técnicos para a reinjeção, o insumo terá de ser aproveitado. “Nosso problema não é falta de gás, mas como usar esse gás abundante para viabilizar e potencializar nossa indústria no cenário de descarbonização”, disse. Projeções da EPE indicam que entre 2021 e 2030 o gás natural deverá ser uma das fontes de geração de energia elétrica com maior expansão do país, adicionando até 16 GW de capacidade.
Para Sylvie D’Apote, diretora executiva de Gás Natural do IBP, o mundo ainda precisará de petróleo e gás nos próximos anos. Essa oferta terá de ser reduzida à medida que a demanda também cair. “Se isso for brusco, poderemos ter problemas de preços. E qual vai ser a produção de petróleo e gás mais resiliente? A que tiver a pegada de carbono mais baixa e mais competitiva. A janela do Brasil é curta, mas poderá criar riqueza”, disse. Ela ressaltou que há muitas incertezas ainda diante da indústria de óleo e gás, tanto no curto quanto no médio e longo prazo, o que é um problema para empresas que precisam decidir investimentos com quase uma década de antecedência antes da oferta estar realmente disponível.
Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, ressaltou a importância da abertura do mercado de gás, que tem sido lenta, na visão dele, para ampliar a oferta do insumo. “A ameaça é de que se troque o monopólio nacional estatal de gás para um monopólio privado do insumo por empresas verticalizadas. Temos questionado o Conselho Administrativo de Defesa Econômica sobre essa abertura e há tantas incertezas sobre disponibilidade nos dutos e sobre os custos que a migração para o mercado livre é cada vez mais difícil. O desafio é reencontrar um desenho conceitual de concorrência e coerência”, disse. O executivo apontou que essa situação atual poderá levar o Brasil a desperdiçar a oportunidade de usar o gás do pré-sal como fator de competitividade para a indústria. Já Carla Primavera, superintendente do BNDES, destacou a importância da separação do lastro e da energia. “Isso é importante assim como a valoração de cada atributo das fontes. Isso seria um ganho para todos os segmentos e o banco tem a firme convicção de que esse é o caminho a ser trilhado. Temos buscado criar um modelo de financiamento que se adapte a essa separação do lastro e energia e dos atributos”, afirmou.
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