Preocupação com a água nos edifícios não deve se encerrar com as questões de eficiência e economia – é preciso ficar atento à qualidade do líquido, alerta especialista.
Entre 19 e 23 de março, o portal Going GREEN Brasil celebra o Dia Internacional da Água (22/3) com uma série de reportagens sobre a importância deste recurso vital para a vida humana e a sustentabilidade. Falaremos sobre questões ambientais, uso nos edifícios, gestão hídrica e empresas que oferecem soluções inovadoras envolvendo a água. Clique aqui para ver os conteúdos já publicados e ajude a promover o uso sustentável da água em todos os momentos.
Captação da chuva, reuso da água, tratamento de esgoto próprio… são várias as boas soluções adotadas por edifícios, indústrias e outros empreendimentos para promover um consumo racional da água nas edificações. Afinal, embora a própria rede de abastecimento tome alguns cuidados, a gestão hídrica no Brasil é falha, e cabe também aos próprios consumidores procurarem formas de garantir o uso sustentável da água.
Mas essas medidas, requisitos muito utilizados por empreendimentos certificados, são o suficiente? Garantem, também, a qualidade da água? E levam em conta que o corpo humano tem contato com muito mais água do que apenas aquela que as pessoas bebem deliberadamente?
Para Marcos Bensoussan, da NSF, uma entidade sem fins lucrativos norte-americana que estabelece padrões de qualidade em diversos âmbitos, inclusive no uso da água, há uma negligência generalizada nas edificações brasileiras em relação à qualidade da do líquido. E isso traz graves riscos à saúde humana. “Temos comprovação de que o problema da qualidade da água não acaba com o saneamento básico. Ele resolve uma serie de problemas, como gastrointestinais, mas outros permanecem. Em edificações, sempre há o saneamento, mas não se considera a possibilidade de aspiração da água em vários momentos, e de água que não é potável” diz o especialista, que, na NSF, é gerente geral do programa Building Water Health (Construindo a Saúde da Água).
O maior problema de saúde envolvido é a presença, na água, da bactéria legionella pneumophyla. A pneumonia causada pelo micro-organismo, que não é detectado nas avaliações comumente realizadas da água, mata entre 6 e 8 mil pessoas por ano no Brasil, somente considerando o sistema público de saúde, de acordo com Bensoussan. São números extraoficiais, uma vez que a doença específica não é oficialmente notificada, mas sabe-se, em média qual parcela dos casos de pneumonia é causada pela legionella.
E como acontece essa contaminação? O principal meio de ingestão, diz o especialista, é por aspiração de pequenas partículas no ar. “Você coloca um aerador numa torneira para economizar água. Mas está também pulverizando água no ar e pode contaminar quem está perto com uma pneumonia porque ingeriu esse líquido”, cita. Mais perigoso ainda é se, logo após, a pessoa for beber água de outra fonte – mesmo que potável. “Bebedouro ao lado de banheiro é algo que não pode. É a primeira coisa que falamos ao elaborar um plano de segurança da água.”
Outras fontes possíveis de contaminação são por meio do ar-condicionado, com aspiração de água dos reservatórios, chuveiros e banheiras – o que torna hotéis edifícios muito sujeitos à contaminação pela bactéria – e lavagem de carro, que muitas vezes utiliza água de reuso. Essa, aliás, é outra prática que deve ser feita com cuidado, de acordo com o profissional da NSF. “Se você está reutilizando essa água sem saber de onde ela veio e qual sua qualidade, está expondo as pessoas a um risco desnecessário”, diz.
Plano de segurança
O plano de segurança da água, citado por Bensoussan, é a principal forma de se prevenir da contaminação pela legionella. Trata-se de uma medida preventiva, que checa as condições do sistema hidráulico sob os aspectos químico, físico e biológico, evitando as condições necessárias para a hospedagem do micro-organismo. “Uma análise de água, quando se coleta a amostra, demora sete dias pra dar um resultado. E, se há a suspeita da doença, é tempo demais para esperar. Por isso existe essa prevenção”, diz.
A prática, no entanto, é considerada de importância secundária pelos donos, administradores e utilizadores de imóveis, e é pouco utilizada – embora exista uma portaria que prevê a elaboração de um plano do tipo nas edificações. Isso ocorre, segundo o especialista, pela falta de discussão acerca do problema e por ele não ser previsto nas principais certificações a edifícios.
“Muitos prédios planejados para obter a certificação LEED não estão preocupados com a saúde dos ocupantes, mas com a eficiência do uso energético e da água. São pouquíssimos prédios, hoje em dia, que têm um plano desse tipo, uma parcela ínfima”, lamenta.
Isso muda quando se fala de certificações com foco no bem-estar das pessoas. Criadas mais recentemente elas têm crescido por causa desse enfoque. Uma delas é o WELL, concedida pelo International WELL Building Institute com apoio do Green Building Certification Institute – o mesmo que concede o selo LEED. “No futuro, eficiência será um requisito básico. Mas o diferencial será ter o WELL e semelhantes. Afinal, posso entrar num prédio mais sofisticado e sustentável do mundo, e ainda assim morrer de pneumonia”, alerta Bensoussan.
Outra forma de ajudar os administradores a cuidar da qualidade e segurança da água será a nova norma da ABNT que está sendo finalizada sobre a microgestão da água – seus cuidados nas próprias unidades consumidoras, quando deixam de ser responsabilidade da rede de abastecimento. Reuniões de dois anos com diversos especialistas resultaram nesse documento, que deve entrar em breve para consulta pública e dar orientações para o uso seguro da água nas edificações. Inclusive para evitar a contaminação por legionella.