Em solução adotada, consumidor paga uma taxa extra pela bebida e, ao depositar a garrafa no equipamento, recebe o valor de volta. No Brasil, reciclagem de plásticos esbarra e logística reversa falha e morosidade do Plano Nacional de Resíduos Sólidos.

Não é novidade que a imensa quantidade de produção de embalagens para bens não duráveis, como alimentos, bebidas, produtos de higiene e beleza, represente um dos maiores desafios ambientais em termos de gestão de resíduos. Logística reversa e a efetiva reciclagem desses materiais são, na maioria dos países, sonhos distantes, enquanto o lixo não tratado se acumula.

Na solução norueguesa, basta inserir as garrafas vazias para depois recuperar parte do valor gasto (Imagem: Youtube/Sky News)

Não na Noruega. Ao menos quando se fala de garrafas plásticas, o país nórdico vem dando exemplo ao estabelecer um sistema que funciona de forma bastante simples: máquinas coletoras recebem os recipientes e, e troca, os consumidores recebem de volta parte do valor gasto na compra da bebida.  Trata-se do sistema de reciclagem de garrafas plásticas mais eficiente no mundo, com nada menos que 97% das unidades sendo reaproveitadas, um total de 598 milhões em 2016.

O mecanismo envolve dinheiro público, iniciativa privada e consumidores: o governo taxa as bebidas em uma coroa norueguesa (valor referente apenas à embalagem plástica, equivalente a R$ 0,41) e os fabricantes adaptam suas garrafas aos formatos aceitos pelas máquinas coletoras, localizadas nas próprias lojas que comercializam as bebidas. O consumidor paga o valor sobretaxado e, ao descartar apropriadamente o plástico, recebe o valor do imposto de volta. Quem acaba pagando é a produtora de bebidas, que, em contrapartida à participação no programa, ganha desconto em outras taxas governamentais.

Veja no vídeo da BBC:

Para emitir o tíquete, o equipamento lê o código de barras da embalagem e verifica se há líquido dentro dela. Se houver, o valor vai para o comerciante que vendeu a embalagem, já que será, então, responsabilidade dele esvaziar a garrafa. 

O sucesso do sistema norueguês já fez com que ele fosse exportado a outras localidades. Regiões na Alemanha, Canadá e Estados Unidos são outros lugares que utilizam as máquinas coletoras, de acordo com a BBC. A discussão agora se dá no Reino Unido, onde se especula que o índice de reciclagem de garrafas plásticas gire em torno de 50%.

Reciclagem no Brasil

O Brasil tem um reaproveitamento eficiente de produtos PET, incluindo garrafas plásticas, com aplicação de produto reciclado em forração de veículos, fibra têxtil e outras embalagens, segundo a Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet). No entanto, a coleta é falha. O último Censo da Reciclagem do PET no Brasil, realizado pela entidade em 2016, mostra que a  taxa de reciclagem daquele ano ficou em 51%, após setores como o têxtil, químico, automotivo e de transporte enfrentarem perdas de receita e reduzirem seus investimentos.

E, da quantidade que é coletada, os principais responsáveis pela coleta e reciclagem não são as que comercializam produtos embalados em plástico, mas coletores individuais nas ruas e cooperativas do ramo. Entre as empresas que adquirem PET reciclado, 83% o fazem junto a esses grupos.

Isso tudo, no entanto, diz respeito apenas ás embalagens PET. Quando se trata do plástico como um todo, a reciclagem cai a níveis próximos de 20%, segundo estimativa da Plastivida. Para a instituição, o número pode ser considerado “bastante relevante, se lembrarmos que menos de 20% dos municípios do país contam com coleta seletiva de resíduos.”

Reciclagem de garrafas plásticas motivou solução coletiva na Noruega

Por aqui, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, visa regulamentar, entre os diversos tipos de resíduos gerados em toda a cadeia econômica, também a destinação do plástico resultante do consumo diário de alimentos e bebidas. No entanto, o principal instrumento da lei, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que estabelece estratégias e metas para todos os tipos de descarte, reúso e logística reversa, não passou de sua fase preliminar, carecendo ainda de decreto presidencial para vigorar.

Com aprovação prevista em diversos colegiados de diferentes ministérios, o Plano original ficou paralisado devido à inatividade do Conselho Nacional de Política Agrícola, que não se reúne há anos. Com a morosidade do processo, o documento já foi considerado desatualizado e agora passa por uma revisão. “No momento ele [o Plano Nacional de Resíduos Sólidos] está sendo revisado por um consórcio internacional contratado para tal tarefa e que está elaborando documentos para subsidiar a revisão do plano. Para evitar o mesmo problema do ano anterior, está na Presidência da República uma proposta de alteração do Decreto nº 7404/10, onde pedimos a exclusão de apreciação pelo Conselho Nacional de Política Agrícola”, explica o Ministério do Meio Ambiente, em resposta a consulta do Going GREEN Brasil.

Esse problema não isenta, no entanto, as empresas de suas responsabilidades ambientais. As obrigações de implementação dos instrumentos da Política Nacional de Resíduos Sólidos estão previstas na própria lei e no decreto, alterando, inclusive, a lei de crimes ambientais, como crimes de descumprimento da logística reversa. Portanto, mesmo o plano nacional estando sendo revisto, as obrigações já existem”, lembra o MMA.

Segundo o órgão, “o primeiro relatório de logística reversa já traz informações do aumento de coleta de embalagens pós-consumo, bem como as ações estruturantes que estão sendo implementadas”. O Ministério promete disponibilizar “em breve” esse relatório.

Dificuldades

Diante da facilidade encontrada pelo sistema de máquinas coletoras, o que faz com que a maioria dos países não adote decisão semelhante a respeito as milhões de garrafas plásticas comercializadas diariamente? Segundo os operadores noruegueses, o fato dos principais insumos para a produção do plástico – petróleo e gás – serem extremamente baratos é que torna o problema pouco sentido à primeira vista. Ao menos até que se tornem um sério problema ambiental. No Brasil, a Abipet usa argumento semelhante: “baixa atividade econômica e a redução do preço do petróleo são fatores que reduzem a rentabilidade e, portanto, a rentabilidade [da reciclagem]”, diz a associação no seu censo. 

Plástico boiando nas águas é considerado um dos principais problemas ambientais da atualidade.

O que os noruegueses lembram, entretanto, é que é melhor pagar uma pequena moeda para que a garrafa seja reciclada do que gastar em mais impostos posteriormente, com a limpeza das ruas, rios e sistemas de esgoto. Além disso, quando há incentivos fiscais às empresas e a possibilidade, para o consumidor, de retirar parte do valor pago pela garrafa, todos tendem a ficar mais conscientes e participar do processo.

Na discussão em torno da implantação da medida no Reino Unido, a ativista do movimento Campanha para a Proteção da Inglaterra Rural, Samantha Harding, defende que o modelo obtém sucesso por incluir toda a cadeia produtiva no processo de reciclagem: desde o design das garrafas até o descarte pelos consumidores, passando pela manufatura, transporte e comercialização dos produtos.

“É ótimo, porque já vimos grandes empresas fazendo campanha contra esquemas que as obrigam a adotar mais responsabilidades, e o sucesso desse esquema mostra que elas estão erradas. Estamos em uma crise ambiental e não há espaço para esse tipo de comportamento”, aponta.

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