Ações humanas, principalmente no que diz respeito ao crescimento insustentável de cidades, intensificaram as formações de enchentes devastadoras.
Todo começo de ano ocorre o mesmo problema nas mais diversas cidades brasileiras: enchentes e mais enchentes inundam ruas, levando sujeira e provocando danos ambientais e financeiros para municípios e população. Assim como o problema é o mesmo em diferentes lugares, as causas, apesar de serem variadas, também se repetem em praticamente todos os casos.
As enchentes são causadas tanto por questões naturais quanto antrópicas, afinal, apesar de serem fenômenos da natureza, elas são altamente intensificas por ações humanas. Esta época de calor intenso traz as chamadas chuvas de verão, pancadas que, apesar do pouco tempo de duração, descarregam um enorme volume de água sobre as cidades.
A enxurrada se dá quando a vazão da água é maior do que a capacidade de escoamento, fazendo com que rios e córregos urbanos transbordem. De certa forma, o crescimento desenfreado e insustentável das cidades é o principal motivo de agravamento do problema.
“Inicialmente se diz respeito ao próprio desenho, planejamento e ocupação urbana, permitindo o espraiamento da cidade (crescimento constante para novas áreas) com a ocupação regular e/ou irregular de terras que, muitas vezes, espremem o leito dos córregos e rios e impermeabilizam o solo com o asfalto e edificações diversas”, explica Fernando Penedo, especialista em sustentabilidade urbana e sócio da Baobá Práticas Sustentáveis.
Além disso, a agressão à natureza por falta de consciência ambiental, como eliminação de áreas verdes, descarte inadequado de resíduos sólidos, impermeabilização do solo e falta de drenagem urbana tornam canais e galerias ineficazes para o escoamento da água.
“Adiciona-se ao contexto questões relacionadas às mudanças climáticas, em especial a alteração no regime de chuvas, quando muitas vezes há muita água em um curto espaço de tempo”, completa Penedo.
Falta de planejamento urbano
O maior problema do crescimento urbano é a falta de planejamento adequado e sustentável. Se nas atuais áreas urbanas já existem deficiências nos sistemas de macro e micro drenagem, o espraiamento dos municípios potencializa o problema com o agravante de diminuir a capacidade do Governo em resolver – afinal, quanto maior a cidade, maior o problema e mais cara a resolução.
As ocupações irregulares de áreas sujeitas às enchentes também contribuem para o imbróglio, conforme comenta Eduardo Jimenez, arquiteto e professor de Sistemas Estruturais e Construtivos da Universidade São Judas Tadeu, na capital paulista.
“Quando a ordem da urbanização é alterada, ou seja, a ocupação irregular vem antes do planejamento urbano, ocorrem diversos problemas, sendo um deles a enchente. Um exemplo simples é a falta de drenagem em regiões não planejadas, além da falta de bueiros e desvios para conter as inundações”, diz Jimenez.
Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que vem trabalhando para minimizar os impactos das enchentes e alagamentos, problemas históricos da cidade. Entre as medidas listadas, estão ações de prevenção, zeladoria e estruturantes. Todas são tocadas de forma multissetorial, visando a prevenção e a resolução das ocorrências.
No entanto, para Fernando, a força política empregada para o crescimento das áreas urbanas não é acompanhada do investimento público necessário para que estas novas áreas entreguem qualidade de vida para os seus moradores. “A lógica é empregada tanto para novas áreas nobres quanto para os programas de habitação popular. Crescer as cidades faz delas ambientes insustentáveis”, afirma o especialista.
Ações conjuntas
Se a falta de planejamento piorou ainda mais as enchentes, a solução está em justamente corrigir esta falha. O planejamento, no entanto, deve ser feito como um todo, colocando o olhar da sustentabilidade no plano de desenvolvimento das cidades. “A primeira ação deve ser a de não olhar para as inundações como um tema isolado”, comenta Penedo.
A diretriz para o desenvolvimento de cidades mais sustentáveis neste âmbito começa com uma mudança na criação de novas áreas urbanas, que devem parar de “crescer para fora” e, ao invés disso, se adensarem, compactarem e “crescerem para dentro”. “Assim, ela exigirá um menor investimento público em algumas áreas com o passar dos anos e terá maior potencial de investimento e geração de qualidade de vida”, completa.
O planejamento sustentável da cidade, em conjunto com ações de conscientização da sociedade, deveria ser agenda prioritária de qualquer gestor público. Em relação às medidas imediatas e que trazem resultados positivos, Eduardo cita as seguintes:
- Plantação de vegetações em torno dos rios;
- Construção de um concreto mais poroso para absorção da água;
- Limpeza de bueiros de forma com que a água possa escoar sem nenhuma obstrução;
- Bueiros inteligentes que possuem uma espécie de filtro que impedem o entupimento dos mesmos;
- Aumento de áreas verdes, que além de contribuirem para a melhoria de massas de calor, são excelentes soluções para conter as enchentes;
- Projetos de conscientização ambiental, que incentivem a população depositar os resíduos em lixeiras estrategicamente implantadas.
“A maneira mais simples para começar a combater este problema é a conscientização ambiental. Utilizar lugares indicados para o descarte de lixo evita o acúmulo de dejetos em bueiros. Mas, sem dúvidas, a construção de sistemas eficientes de drenagem, criação de reservas florestais às margens dos rios, desocupação de das áreas de risco e criação de mais jardins e áreas permeáveis são soluções que agregam à primeira iniciativa”, afirma Eduardo.
A impermeabilização do solo e a falta de área verde são as principais consequências do crescimento insustentável da maioria dos grandes centros urbanos. Existem alguns fatores que dificultam a melhoria deste panorama, como por exemplo, a desocupação provisória do espaço no período de obras do sistema de drenagem do solo.
No entanto, com pequenas e médias ações – seja por iniciativas, públicas e privadas seja por parte dos cidadãos – é possível avançar nos trabalhos. O mais importante é arborizar as cidades, portanto, praças, parques e jardins já existentes podem ser revitalizados para armazenarem o volume que cai com as chuvas. Outra iniciativa se dá na construção de novas edificações residenciais, comerciais e industriais, que podem contar com soluções como pisos drenantes nas calçadas e áreas abertas.
Piscinões
A Prefeitura de São Paulo informou ao Going Green Brasil, por meio de nota, das diversas ações que realiza para mitigar a formação de enchentes. Entre eles, a Secretaria Municipal das Subprefeituras faz serviços de zeladoria diariamente em toda a cidade para prevenção de inundação e alagamentos.
Em 2018, por exemplo, a limpeza mecânica passou 154,3 mil vezes em bocas de lobo e em 31 mil poços de visita. Além disso, 631 mil metros de ramais e 407 mil metros de galerias passaram por zeladoria. Somente com a limpeza mecanizada, mais de 51 toneladas de resíduos acabaram recolhidas durante os trabalhos nos 75 km de extensão dos leitos. Por meio de trabalho manual, foram limpos 2,4 milhões de m² de área de margens de córregos e 547 mil metros de extensão, de onde foram recolhidas cerca de 2 mil toneladas de detritos.
Outro ponto bastante discutido é a criação de piscinões, ou seja, reservatórios para retenção de água. Hoje, a capital paulista possui 22 piscinões, porém, a sua eficiência não é ponto unânime. Para Eduardo Jimenez, o recurso é útil, já que ajuda a conduzir o grande volume de água da chuva, porém, deve ser estudado o local da construção com cautela.
“É ineficaz, por exemplo, colocá-lo na cabeceira da bacia ou próximo à foz. Primeiramente necessita-se de um cálculo hidrológico para mensurar o volume de água que precisamos conter. Mas, no geral, os piscinões podem ter um papel complementar fundamental que também ajuda a evitar as enchentes, como a revitalização dos espaços degradados e criação de novas áreas verdes, além de reservar água”, explica.
Para Fernando Penedo, a solução é cara e de caráter emergencial e pontual, que funcionam no sentido de retardar a água naquele momento. “Outros elementos do problema, como o combate à poluição, assoreamento do sistema e promoção de saúde pública continuam lá quando a água escoa. O ideal é aplicar um conjunto de soluções de retardo no curso da água, no declive, no caminho que ela percorre até o local que inunda”, diz.
Segundo o especialista em sustentabilidade urbana, uma solução mais eficaz – e que também gera mais qualidade de vida para a população – são os parques lineares. Um parque linear é uma intervenção urbanística feita dentro de uma área urbana ou suburbana, que, normalmente, acompanha cursos d’água e são mais cumpridas do que largas. Além de cumprir o papel de retardar a água, são espaços usáveis de lazer para a comunidade.
Conscientização sustentável
Fato é que as enchentes não são problemas tão simples de se resolverem. O planejamento urbano deve contar com um plano de medidas tanto para ações em curto prazo quanto em longo prazo.
Outro ponto fundamental é a conscientização dos cidadãos, que também podem contribuir para que se evite o agravamento das ocorrências. Afinal, as consequências deste problema são devastadoras e, por muitas vezes, mortais.
“Precisamos ter a consciência de que a cidade é nossa e que todos nós temos algumas responsabilidades para com a qualidade do local onde moramos. Podemos fazer a nossa parte, que é cuidar do nosso lugar comum. Precisamos adquirir a consciência do quão importante são os termos de sustentabilidade urbana e qualidade de vida, elegendo estes temas como os principais das discussões de bairro, das políticas de responsabilidade corporativa, das eleições municipais, enfim, em todos os espaços em que nos fazemos presentes”, conclui Fernando Penedo.