Prefeitura de São Paulo anunciou a construção do novo Parque Minhocão, na região central da capital. A inauguração está prevista para o fim de 2020.
No final do mês de fevereiro, a Prefeitura de São Paulo anunciou a construção do Parque Minhocão. O elevado João Goulart – mais conhecido pela população como Minhocão – abrigará mais uma opção de lazer ao ar livre na capital paulista. O projeto foi baseado em um estudo concebido pelo urbanista Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba (PR).
Com investimento previsto de R$ 38 milhões, o parque linear Minhocão ocupará, em uma primeira etapa, 900 metros da via, nos dois sentidos sobre a Avenida Amaral Gurgel. Estão previstos jardins, floreiras e deques, dispostos em moldes pré-fabricados. A inauguração deve ocorrer no fim de 2020.
A reforma também apresenta uma ciclovia e as partes laterais arborizadas. No futuro, a intenção é criar ligações entre o Minhocão e os prédios vizinhos, através de passarelas, deixando no ar a possibilidade de revitalização do comércio no entorno.
Aliás, a ideia de revitalização pode trazer esperança aos moradores vizinhos ao Parque Minhocão e, ao mesmo tempo, gera dúvidas em relação à real chance de alavancar uma área degrada e insalubre, que ao longo dos anos sofreu com poluição, falta de iluminação e o crescente aumento de usuários de drogas e moradores de rua, principalmente na região sob o elevado.
Ademais, muitas outras questões permeiam os debates e futuras discussões sobre o Parque Minhocão. Dúvidas em relação à segurança, aglomeração de pessoas, barulho, capacidade de manter a arborização e aumento no preço dos aluguéis das edificações vizinhas estão sobre a mesa e a Prefeitura terá que olhar com muito carinho para elas.
“Cerca de R$ 20 milhões serão aplicados em medidas de segurança em todo o elevado, não apenas na primeira etapa do parque reurbanizado. São medidas de segurança determinadas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), como a reforma e ampliação dos guarda-corpos”, afirma o vereador da cidade de São Paulo, José Police Neto (PSD), um dos autores do Projeto de Lei (PL) 10/2014, que proíbe o trânsito de veículos motorizados e transforma o Minhocão em parque.
“Os R$ 18 milhões restantes são adequados para a primeira etapa, da Marechal Deodoro à Praça Roosevelt, mas acredito que o local vai atrair investimentos privados. Todo o centro deve ser beneficiado por esse processo”, diz o parlamentar.
Na opinião de Mauro Calliari, administrador de empresas e mestre em Urbanismo com foco em espaços públicos, o Parque Minhocão é urbanisticamente viável, pois, do ponto de vista técnico, sempre existe a possibilidade de se fazer uma solução de projeto que resolva todas as questões.
“Agora temos é que discutir muito a participação de todos os envolvidos. Analisar os projetos e até possíveis concursos, quais serão as alternativas”, ele afirma.
Para o especialista, poderia haver uma solução híbrida, retirar alguns trechos do projeto e deixar outros. “No espaço onde ele encosta menos nos prédios, você pode manter, afinar alguns pedaços. Se a ideia é manter uma linearidade em cima, existem várias soluções projetuais capazes de resolver isso”, completa.
Mauro compreende a ideia da Prefeitura de fazer o Parque Minhocão e também de quem é favorável à transformação da instalação em opção de lazer, porque o histórico da construção de avenidas em São Paulo, segundo ele, é muito ruim em termos de resultado.
“Talvez a grande preocupação das pessoas que são radicalmente a favor seja justamente o nosso histórico de manutenção de ruas muito longe da escala humana. O medo é demolir o Minhocão e embaixo surgir uma nova Avenida Rio Branco”, pondera.
Para Calliari, acreditar que o elevado será demolido e no lugar dele virá um projeto muito bom é uma crença que não tem muito o pé na realidade. “Provavelmente por isso a ideia do Parque Minhocão tenha sido tão acolhida, ela é pelo menos uma garantia de que a população da capital não vai estar disputando espaço com carros, o que acontece em 95% das avenidas de São Paulo”, diz.
Police Neto entende que o parque surgiu de forma espontânea, assim que os veículos passaram a deixar de circular em determinados horários. Para ele, o projeto atual não apenas vai oferecer condições de segurança para os usuários como, aos poucos, cria um espaço diferenciado, que está mais conectado com o entorno e servirá de forma determinante num processo amplo de recuperação do centro da cidade.
“Até aqui o elevado tem sido uma cicatriz poluente; a partir de agora, pode se consolidar como opção de lazer para usos diversificados e oferecer áreas para descanso, com cobertura vegetal e sombra”, diz.
Revitalização do térreo
Um ponto importante – e polêmico – no que tange à construção do Parque Minhocão é a recuperação e revitalização do nível térreo, ou seja, as avenidas na parte inferior ao elevado. Nelas, além do fluxo de carros, a poluição que gera para os moradores do entorno é algo preocupante.
João Whitaker, professor de Planejamento Urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), afirma que a estrutura tirou a incidência de luz solar e criou uma espécie de “subterrâneo” no local. “Eu sou a favor que se faça um parque linear, mas que seja feito no nível do térreo, porque se for feito no alto, não resolve o problema embaixo, que é escuro e insalubre”, ele diz.
Para o professor da FAU-USP, parte da revitalização se daria através da retirada do Minhocão, sendo possível recuperar a área com ciclovias e Veículo Leve sobre Trilhos (VLT).
“Seria muito importante um sistema de transporte leve passando ao longo do eixo, duplicando com o do metrô mesmo, pois são modais diferentes, com tipos de uso diferentes. Eu não sou favorável que se transforme o Minhocão, tal qual ele está hoje, em parque”, afirma.
Mauro Calliari concorda com a opção de revitalização do térreo, inclusive investindo mais na questão do transporte. “Poderia ter um projeto maior, com o VLT girando ao redor do centro, como se fossem os antigos ônibus circulares”, diz.
Mas, ele também chama a atenção para outro fator. “Cabe a todos nós propormos e exigirmos, reivindicarmos que os projetos levem em consideração algumas possibilidades, não necessariamente manter tudo daquele jeito, com a mesma estrutura. É bem possível fazer coisas muito mais criativas, que abram espaço embaixo para as pessoas morarem ou trabalharem no entorno e terem uma chance de viver em uma cidade e não sob uma estrutura que não podem acessar”, enfatiza.
“O parque é uma solução muito paliativa na maneira como ele está sendo pensado. Sou a favor de uma nova Avenida São João. Por exemplo, com um novo desenho de via, que o carro não seja o principal elemento”, opina Clévio Rabelo, professor de arquitetura do FIAM-FAAM Centro Universitário.
Whitaker afirma que criando um parque elevado surge um novo térreo e que, em função disso, é mais barato usar a parte térrea já existente e que pode ser recuperada.
Ele comenta que é possível colocar um bonde nos moldes europeus no meio da avenida, permitindo um deslocamento da Santa Cecília até o Memorial da América Latina. Assim, é recuperado todo o potencial de comércio ao longo dessa via.
“O futuro Parque Minhocão terá que se preocupar com o uso comercial, para que apareçam bares, restaurantes e lojas, criando conexões da parte de baixo com esse novo térreo, inclusive através de passarelas. Mas a pergunta continua: não é melhor fazer no térreo? É mais barato”, conclui.
Para Clévio Rabelo, a construção do Parque Minhocão cria um grande problema de trânsito nas avenidas sob o elevado e não melhora a qualidade vida de quem mora no entorno.
“Desde comerciantes que se instalaram ali há muito tempo a moradores que vivem em condições totalmente insalubres, com pouca luz e ventilação inadequada. A vida dessas pessoas irá continuar do mesmo jeito”, ele enfatiza.
O vereador Police Neto compreende que “o projeto do parque não ignora a parte de baixo do elevado. Além da recuperação urbana, ali não há como evitar um trabalho social intenso, um trabalho conjunto de diversas secretarias para oferecer o mínimo e ajudar na qualificação para o emprego. Só outro tipo de ocupação pode consolidar uma mudança que não se restringe ao espaço urbano”, ele analisa.
Na opinião do economista, mestre em Arquitetura e empresário, Marcel Steiner, se houver um bom projeto, é possível sim melhorar a parte de baixo do Minhocão.
“É preciso abrir vãos, iluminar e dar uso ao térreo. Há muitos casos bem-sucedidos de locais com uso inteligente embaixo de linhas de trem espalhados pelo mundo, por exemplo”, diz.
Trânsito
O tráfego intenso na cidade de São Paulo é uma das principais dores de cabeça do paulistano. É difícil escapar de um congestionamento em uma metrópole que a cada dia recebe mais carros em suas ruas e avenidas.
A construção do Parque Minhocão chama a atenção para uma região de trânsito complexo e que perderia uma de suas válvulas de escape para quem quer chegar ao centro ou ir em direção à Zona Oeste da capital.
O Ministério Público de São Paulo está preocupado com o impacto que será produzido no trânsito com o novo parque. O primeiro ponto que a Promotoria pensou – logo no início das discussões sobre demolição ou transformação em parque – foi a questão da mobilidade.
Ao retirar a estrutura do Minhocão haverá grandes consequências no trânsito, em dois momentos: quando tiver algum tipo de obra, de requalificação ou interdição; e também a questão do próprio trânsito na medida em que não mais existirá o elevado como alternativa viária.
De acordo com Sérgio Ejzenberg, engenheiro e mestre em Transportes pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), do ponto de vista do trânsito, o parque vai trazer mais problemas do que soluções.
E também trará problemas de poluição. Devido a existência do próprio Minhocão, o sistema viário na parte de baixo tem restrição de capacidade. O canteiro central é muito largo e abriga grandes pilares.
“Hoje a alternativa do motorista que trafega pela parte de cima do Minhocão é escapar do congestionamento pela parte de baixo. Quando a parte superior for transformada em parque, o congestionamento de baixo vai ficar muito pior, mais extenso e mais horas por dia. Além disso, é a região mais poluída da cidade de São Paulo. Vai haver mais congestionamento e poluição, que hoje já está incompatível com a vida”, afirma Sérgio.
“Todos que dependem do automóvel nessa região vão ter problemas. Quem hoje usa o Minhocão como rota de passagem de longa distância vai poder buscar caminhos alternativos, os aplicativos de trânsito se encarregam de fazer isso. Quem puder fugir daquela área, fugirá. Quem não puder terá que aguentar o congestionamento. Como nem todo mundo tem a opção de evitar a área, o trânsito remanescente será pior que o atual”, ele pondera.
Para o especialista, quando a capacidade de uma via é restringida, ela vira cronicamente congestionada. Um exemplo é a avenida Rebouças. Em função da implantação de corredores de ônibus, ela ficou com duas faixas de tráfego para veículos, ao invés das cinco que estavam anteriormente.
“A Rebouças é uma via que vive cronicamente congestionada, a qualquer hora do dia. O Minhocão vai ter essa característica também, com um agravante que ele é uma ‘caixa de fumaça’, está grudado nos prédios e embaixo vão ter vários carros parados, por isso o agravamento que se espera da poluição”, diz.
Police Neto afirma que a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) já está trabalhando para construir as alternativas de trânsito para a ligação Leste-Oeste sem deteriorar outras áreas.
Pois, é preciso garantir o fluxo de veículos, mas, como política pública, a prioridade deve ser o transporte coletivo, a mobilidade ativa e a micromobilidade, que inclui meios de transporte individuais e de baixo impacto ambiental, como patinetes e bicicletas elétricas. Inclusive para dar acesso ao Parque Minhocão.
“Na ponta do lápis, hoje o Minhocão já passa mais tempo como Parque do que como opção viária. E o trânsito ali não se tornou um caos nos períodos de fechamento. É verdade que os horários mais críticos ainda serão testados, mas o Minhocão não será desativado todo de uma vez, a Prefeitura e a CET têm total condições de fazer isso organizadamente”, afirma o vereador.
A proposta de Ejzenberg é a remoção total da estrutura e a implementação de um canteiro central com corredor de ônibus e ciclovia, estilo a Avenida Chucre Zaidan, na Zona Sul da capital. Ele também sugere uma arborização intensa, com espécies de grande porte para trazer conforto térmico.
“O Minhocão apresenta vigas pré-moldadas. A demolição seria um processo que demoraria poucos meses. Tem praticamente um túnel embaixo dele, uma caverna poluída, acabando com a saúde de quem mora na região. É uma obra que jamais teria que ser construída, é preciso qualificar. Pode colocar o que for em cima, embaixo vai ficar igual”, conclui.
Segurança para os usuários
As preocupações principais do Ministério Público de São Paulo, no entanto, estão relacionadas à questão da segurança. O MP-SP, inclusive, já tinha alguns históricos de participação para poder impedir determinados usos que eram considerados extremamente perigosos como, por exemplo, fazer a Virada Cultural em cima do Minhocão – como aconteceu em 2012 e acabou gerando aglomeração e tumultos.
“Eu já havia pedido de início, para que se estabelecessem regras para as pessoas chegarem ao parque. Primeira coisa: estabelecer horário de funcionamento. Tem que colocar portões, já que o lugar é aberto, não é só baixar cancelas. Serão muitas entradas, não adianta só colocar portões embaixo da Praça Roosevelt”, afirma o promotor César Martins, da Promotoria de Habitação e Urbanismo do MP-SP.
“Quais as questões de segurança que serão dadas? Hoje há espaçamentos por rampas, elas estão muito distanciadas. É preciso ter escapes, já que são 8 metros de altura e distanciamentos muito menores. Tudo isso vai ser objeto desse projeto, porque ele prevê elevador, escada, várias coisas para que se possa fazer esse acesso, inclusive do ponto de vista de segurança”, diz Martins.
O que o promotor enfatiza é que hoje existe o uso do Minhocão, só que é um uso sem controle. E se é admitido a presença de uma pessoa em cima dele, o poder público tem que estar junto.
Em condições mínimas, se não tem os anteparos, é preciso fazer um controle do acesso, por causa dos riscos que têm. Para ele, também é preciso deixar um lado inteiro do Parque Minhocão livre para a circulação de viaturas de apoio, Corpo de Bombeiros, entre outros.
Martins lembra que o Parque Minhocão tem um projeto e deverá ser feito de maneira que a estrutura seja a mais segura possível e que comporte tudo aquilo que a Prefeitura quer agregar, trazendo conforto e segurança para os usuários.
Ele ainda enfatiza que todos os parques de São Paulo já eram parques de fato antes de serem constituídos com essa denominação. Na sua opinião, o Minhocão é uma via pública de automóveis, que não tem nada a ver com parque. Ele está sendo constituído como tal. Primeiro nasceu juridicamente para depois nascer como construção de fato, os outros foram o oposto disso, já existiam em áreas arborizadas e as pessoas já utilizavam.
“É um cimento gigantesco com quase 3 quilômetros (km). Um terço dele será transformado em parque, copiando o que tem pelo mundo afora. Há a necessidade de regras e que esse investimento leve em consideração a segurança e o conforto das pessoas. Porque o grande problema da utilização do Minhocão hoje é que ele parece um deserto. Não tem proteção contra o Sol, não tem água, não têm banheiro, absolutamente nada. No fundo a implantação dos parques teria essas vantagens”, conclui.
Questões ambientais
Mauro Calliari frisa que do ponto de vista ambiental é preciso pensar em dois aspectos: primeiro é como transformar um local que é concreto, com problemas de infiltração e questões estruturais, em um lugar com paisagismo que seja digno e agradável.
“O segundo ponto é resolver a sombra que o Minhocão gera na cidade e estamos falando de uma coisa muito insalubre, aquela estrutura enorme acima das avenidas retém barulho, poluição, gera umidade e impede a luz solar, é toda uma área que sofre a influência degradante. Quando falamos em meio ambiente, é importante pensar muito na parte de baixo do futuro parque”, comenta.
“O grande problema do Minhocão é que ele não foi feito com um estudo de impacto ambiental. Não existia isso na época”, lembra o promotor Martins.
Privacidade no entorno
As pessoas que conseguiram aguentar durante décadas morando do lado do barulho e poluição, agora estão ameaçados não mais com os ruídos de carro, pois irão ter que conviver com o barulho de pessoas, eventos e atividades esportivas. O histórico da cidade é justamente de poluição sonora e aglomerações. O grande exemplo talvez seja a Avenida Paulista.
“É fácil resolver isso, é uma questão de desenhar o próprio parque de modo que só haja aglomerações em pontos que atrapalham menos os moradores do entorno. O próprio paisagismo de alguns viadutos e elevados permitem a passagem de duas ou quatro pessoas”, diz Calliari.
“As medidas que eles dizem que vão fazer são justamente para o resguardo dessa intimidade, porque as pessoas têm a vida devassada pelo Minhocão, esses usos já existem hoje e sem nenhum tipo de preocupação com essa questão. O que a Promotoria pode ver é a disciplina da utilização e a perturbação do sossego. A privacidade já não existe com a utilização de hoje”, diz César Martins.
O projeto do futuro parque pretende colocar grandes floreiras verdes, que deverão aumentar a privacidade dos moradores vizinhos à imensa estrutura de concreto.
“Floreiras são uma alternativa rápida e barata para ajardinar o espaço. É importante ter orçamento – público ou privado – para a manutenção destes espaços ajardinados. Isto é fundamental”, diz Marcel Steiner.
Valorização imobiliária
A valorização dos imóveis do entorno é algo que a Prefeitura e moradores próximos do Minhocão irão ter que enfrentar e que vem sendo deixada em segundo plano. Qualquer política urbana que será feita, de melhoria para uma região degradada, provoca uma valorização imobiliária imediata.
Devido às condições insalubres do local e níveis altos de poluição, além do aspecto de insegurança, essa região é desvalorizada. O preço dos imóveis do entorno e dos aluguéis sempre foram baixíssimos. É uma região razoavelmente popular.
“As pessoas que moram nos prédios ali em volta têm renda mais baixa. Já houve um estudo feito pela minha disciplina na FAU-USP que demonstrou isso. Na verdade, é muito bom ter gente de renda mais baixa conseguindo morar em regiões mais centrais de São Paulo, é o efeito exato que precisamos criar, ao contrário da expansão urbana permanente que empurra a população para uma periferia cada vez mais distante, tornando a urbanização cara e fazendo com que a cidade fique pendular e desigual”, afirma João Whitaker.
Para o professor, o Minhocão, com toda a sua perversidade e negatividade, teve pelo menos um efeito interessante: gerou um espaço que pôde ser ocupado pela população mais pobre.
“Mas, quando um equipamento desse é feito, com a valorização, o que vai acontecer é que essas pessoas serão expulsas dali, pois não terão condições de manter o aluguel, que vai explodir. A política pública de urbanismo precisa prever isso”, diz o professor da FAU-USP.
Além do projeto para o Minhocão, a discussão é quais são os instrumentos de políticas públicas de urbanismo que estão sendo colocados em prática pela Prefeitura no sentido de levantar quem mora na região, quais os preços pagos, elaborar propostas efetivas em termos de regulação dos preços de aluguel, de fixação dessa população e determinar algumas áreas que são de interesse social.
“Não podemos esquecer de criar habitação social ao longo do Minhocão. A valorização dos imóveis com a criação do parque pode expulsar moradores de baixa renda. Um bairro bem-sucedido depende do uso misto e de diversidade de moradores”, entende Marcel Steiner.
Mauro Calliari diz que é preciso haver um projeto urbanístico para a vizinhança e a garantia de instrumentos urbanísticos com período de tranquilidade para quem veio para a região atraído pelos preços baixos, por causa da degradação da área. “Que essas pessoas não saiam de lá por causa do aumento de aluguel e não sejam expulsas, é essencial que não aconteça”, diz.
Inspirações no High Line de Nova York
Uma das principais inspirações do projeto do futuro Parque Minhocão foi o High Line, criado em 2009 na cidade de Nova York, nos EUA. Nascido em uma antiga linha férrea, o local virou um grande polo de atração de turistas e símbolo da nova arquitetura da cidade.
Porém, muitos especialistas brasileiros olham com ressalvas as semelhanças entre as duas propostas, mesmo que possa se retirar coisas positivas do parque norte-americano.
O escritório que fez o projeto teve um mérito muito grande de diversificar o desenho e de aproveitar a vegetação, que nasceu depois que os trilhos da linha férrea foram desativados.
“Um paisagismo muito elaborado e inteligente, parte disso acredito que poderia ser usado aqui. Agora, o que ele não tem de paralelo com o Minhocão é o fato de cortar os quarteirões ao meio. O High Line não gera uma sombra sob uma avenida especificamente, ele cruza a mesma. Vale como uma inspiração em paisagismo, mas como solução urbanística não”, diz Mauro Calliari.
Para o vereador José Police Neto, no fundo há muitas diferenças, mas ambas as propostas buscam ressignificar um espaço público que agredia a paisagem e causava transtornos com barulho e poluição.
“O Minhocão tem muito mais conexão com o entorno do que o High Line, que era uma linha férrea, mas, assim como o elevado, foi um espaço que os cidadãos conquistaram de volta para a cidade”, afirma.
“O Minhocão é diferente do High Line. Mas, a lição que podemos tirar dele é a criação de uma nova atração turística no centro de São Paulo. Vai vir gente da cidade toda e de outros lugares do País para conhecê-lo”, diz Marcel Steiner.
Ciclovias
Na opinião de Willian Cruz, do portal Vá de Bike, é importante que o projeto contemple ciclovia, mas deve-se ter em mente que ela é principalmente uma estrutura de deslocamento.
Se a área superior do parque for ficar fechada em algum horário, inviabiliza o deslocamento. Para ele, não é possível ter uma ciclovia com horário de funcionamento.
Cruz também enumera outros problemas em se fazer a ciclovia elevada. Haverá poucos pontos de acesso, assim quem chega no elevado pela Avenida Pacaembu e precisa subir a Avenida Angélica, por exemplo, acabará tendo que circular em meio aos carros na avenida abaixo, porque os acessos não contemplam esse deslocamento.
“Para pegar a ciclovia elevada será preciso pegar uma subida e aumentar o trajeto por conta dos poucos acessos, o que desestimula seu uso por quem precisa fazer o percurso cotidianamente”, afirma.
A melhor solução para Willian, em termos de deslocamento, é manter a ciclovia na parte inferior, onde há acessos em cada esquina e o trajeto é plano e sem desvios.
“Ao se projetar uma ciclovia, é importante chamar para a discussão pessoas que as utilizam de fato, para que contribuam com suas sugestões e recomendações. Estamos falando de estrutura cicloviária, que não pode ser projetada com pensamento de motorista que quer as bicicletas fora de seu caminho ou de ciclista de final de semana que quer apenas um visual bonito para postar no Instagram. É como tentar projetar uma rede viária para automóveis sem nunca ter dirigido”, ele completa.