Números apontam para o crescimento das construtechs. Maiores demandas são de insumos e materiais, processo construtivo e financiamento.
O investimento em processos digitais e tecnológicos ainda caminha devagar no setor da construção civil, no entanto, algumas soluções já começam a conquistar o mercado por demonstrarem altos níveis de eficiência e produtividade.
O crescimento das construtechs – startups que buscam soluções para a cadeia construtiva por meio de bases tecnológicas – é uma prova disso. Os últimos números mostram que cerca de 350 empresas foram classificadas como construtechs no Brasil, porém, é válido ressaltar que o faturamento total ainda não representa 0,1% do setor.
Assim, é importante que o desenvolvimento destas startups seja trabalhado por gestores experientes. A Liga Next faz o papel de company builder, atraindo e criando empresas do zero com o objetivo de buscar soluções sólidas. Conversamos com Bruno Reis, head de valuation e internacionalização da Liga Next, sobre o panorama atual das construtechs e as expectativas para os próximos anos.
Confira a entrevista logo abaixo.
Eu diria que é uma tendência, apesar dos números já se mostrarem relevantes. Em torno de 350 startups foram identificadas e classificadas como construtechs.
Qual é a relação da construção civil com a tecnologia digital?
Vamos começar falando da relevância do setor da construção civil. De todo investimento que se faz no PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro – a economia gira em torno de R$ 8 trilhões –, a construção é responsável por cerca de R$ 1 trilhão. É um setor muito grande, menor apenas do que o agronegócio.
Hoje, a tecnologia digital já é utilizada para o controle operacional básico, então, é normal você ter uma construtora ou incorporadora que faz todo o seu gerenciamento através de sistemas de operação. No entanto, são sistemas que nós chamamos de gestão operacional, portanto, eles não são necessariamente o negócio da empresa.
As principais novidades nos últimos dois anos são justamente neste ponto de entrar no negócio da construção. O maior exemplo é a tecnologia BIM (Building Information Model), que basicamente realiza o projeto digital integralmente na plataforma da construtora, em um sistema que faz tudo pelo processo digital e não apenas a questão do controle operacional.
O uso de tecnologias digitais na construção começou recentemente, ainda existe uma enorme quantidade de novas funcionalidades a serem adicionadas. Se compararmos com os mercados americano e asiático – onde a automação é feita com auxílio de tecnologia 3D ou, até mesmo, usa-se robôs para a construção de infraestrutura –, notamos que o Brasil está defasado. Apesar de ser consolidado e demonstrar sinais de evolução, nosso mercado é muito grande e há uma demora em importar tecnologia de outros países.
Quais são as maiores demandas da construção atualmente?
Se você olhar o que movimenta a economia, a maior demanda é referente aos insumos e materiais, como concreto, metal, etc. Esta parte demanda mais ou menos um terço de todo o gasto em infraestrutura básica. Outro terço deste montante é em relação ao processo construtivo, enquanto outros 30% estão ligados com o financiamento desta operação. Este é um ponto importante, uma vez que o crédito no Brasil é muito caro.
Quem está realizando o processo de construção precisa tomar capital emprestado para começar a comercializar entre três e cinco anos depois. É um processo custoso.
Como as construtechs podem fortalecer a cadeia produtiva?
Construtechs são empresas que trabalham com um nicho da construção civil quebrado em pequenos pedaços. Elas devem ajudar a reduzir custos operacionais. O principal ponto é realizar processos construtivos de modo mais eficiente, ágil e barato por meio de tecnologias.
Construtechs não nasceram para fornecer mão de obra, pelo contrário, um dos seus impactos deve ser justamente a redução de pessoal. Vale mencionar o exemplo de uma empresa americana que consegue construir uma casa basicamente com placas pré-moldadas e impressão 3D utilizando apenas um terço dos funcionários em relação a uma construtora tradicional. Consequentemente o valor também é mais baixo.
Existem também alguns casos específicos – mais comuns na Ásia – nos quais as construtechs podem criar métodos construtivos ou patentes que acabam gerando muito valor. Em uma viagem internacional, por exemplo, conheci startups que eram especialistas em geração de patente de métodos construtivos para serem usados em larga escala por várias empresas de insumos. Eles foram comprados pela BASF – uma das maiores empresas químicas do mundo e presente no Brasil – porque produziam um determinado insumo que gerou uma patente que interessava a empresa. Contudo, não sabemos se essa será uma prática usual no Brasil, que não tem um histórico muito grande nesta questão.
As construtechs já podem ser vistas como uma realidade no setor?
Eu diria que é uma tendência, apesar dos números já se mostrarem relevantes. Informações consolidadas e publicadas a cada seis meses pela Liga Next e outras empresas já têm identificado em torno de 350 startups classificadas como construtechs. É necessário preencher alguns requisitos para tal, como ter sido criada em um período de no máximo sete anos, ter o uso de tecnologia como fundamento principal e prestar serviços para terceiros.
Consideramos um grande êxito este número de 350 empresas mapeadas, algo que há três anos era praticamente inexistente. Nós entendemos como uma tendência porque em outros setores, como o financeiro, as fintechs já somam mais de 1 mil. Portanto, ainda temos muito o que desenvolver nos próximos anos.
A sustentabilidade é um padrão das construtechs que estamos nos aproximando. Uma das coisas mais importantes que temos investido é em relação aos novos materiais, principalmente na sua responsabilidade ambiental e eficiência.
Quais são os perfis destas startups?
Nós acreditamos que uma parcela muito grande será relacionada à gestão de imóveis construídos, mas não entregues. É o que chamamos de gestão de carteiras. O fornecimento de insumos da construção também tem espaço considerável no mercado, como dissemos anteriormente é um nicho que movimento cerca de 33% do montante da construção.
Outro segmento é o de novos materiais, ou seja, de modernização de edificações. Por exemplo, alguns bairros habitacionais em São Paulo possuem imóveis com mais ou menos 50 anos, que precisam passar por reformas ou retrofits para aumentarem o desempenho e a eficiência.
E, por último, algo que ainda não chegou ao setor da construção, mas que nos próximos anos deve crescer bastante, é a prestação de serviços eventuais. Existe uma demanda muito grande em contratar um profissional para um serviço pontual, como acontece com os aplicativos de motoristas, por exemplo.
Qual é o trabalho desenvolvido pela Liga Next no cenário nacional?
A Liga Next é uma company builder, ou seja, somos uma construtora de construtechs. Nós criamos novas empresas sob um determinado desenho com o objetivo de atuarem como uma construtech. Elas têm todos os fundamentos básicos que mencionei, como uso da tecnologia, eficiência de custo e prestação de serviço para terceiros. Buscamos serviços que sejam muito melhores do que as construtoras fariam por conta.
O nosso negócio é atrair empreendedores e criar empresas do zero. Temos um número de associados em torno de 20 empreendedores, que são pessoas destacadas para desenvolverem estas startups e se tornarem sócios. Identificamos um determinado nicho da construção e um empreendedor que já tenha tido experiências com o mercado, então, a Liga Next ajuda a construir, operar e investir no negócio.
Esta parte de funding – a captação de recursos para investimentos – é levantada pela Liga Next e seus investidores a fim de alavancar o capital para operação da empresa. Nosso grupo de investidores hoje é formado por 35 profissionais, que também fazem o smart money – quando eles contribuem com insights e usam o bom relacionamento com o mercado para viabilizar o negócio.
Em janeiro de 2019 teremos três novas empresas que serão publicamente anunciadas, que já estão em fase de incorporação.
Quais são os desafios para o desenvolvimento de uma construtech até o seu lançamento no mercado?
O maior desafio é empreender no Brasil. A identificação das prioridades e o levantamento de capital são pontos que trabalhamos constantemente. Outro desafio é oferecer para a indústria algo que ela tenha real interesse. A indústria da construção tem uma característica de ser fechada para inovação, então, temos que criar soluções que possam ser relevantes. O desafio é mostrar que conseguimos um desempenho melhor com soluções mais baratas, rápidas e eficientes.
Qual é a preocupação com o desenvolvimento sustentável?
Eu diria que a sustentabilidade é um padrão das construtechs que estamos nos aproximando. Uma das coisas mais importantes que temos investido é em relação aos novos materiais, principalmente na sua responsabilidade ambiental e eficiência. Quando você tem um determinado produto que é capaz de deixar uma quantidade menor de resíduos, os benefícios são tanto para o meio ambiente quanto para a economia.
Outro ponto a se ressaltar é o uso eficiente de recursos naturais e de mão de obra local, que também é uma prática sustentável. Muitas vezes é preciso deslocar mão de obra para um determinado serviço, seja por nível de capacitação seja por custo-benefício, então este é um ponto que tem relação com o desenvolvimento de prestadores de serviços eventuais que comentamos.
E, por fim, as construtechs requerem formar e capacitar pessoas para atuarem de maneira diferente, trazendo mais qualidade ao setor.
Quais são as perspectivas do segmento para os próximos anos?
A perspectiva é de crescimento. Se somarmos o faturamento projetado das 350 empresas mapeadas, ainda não representa nem 0,1% do setor da construção. Portanto, nossa expectativa é que várias dessas startups ganhem relevância para que sejam responsáveis por, pelo menos, um dígito do setor, apontando para uma maior eficiência e diminuição de grandes desperdícios de tempo e custo. Isso vai ajudar muito a destacar o mercado de construtechs e trazer novos empreendedores.