Especialista em BIM, Manzione comenta sobre a adesão da solução no mercado brasileiro e como seu uso pode elevar a produtividade e sustentabilidade da obra.


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projeto feito com a tecnologia bim
Projeto feito a partir da tecnologia BIM. Imagem ilustrativa.

Entre as inovações que a construção civil está implantando em seus processos de trabalho, o BIM é uma das que mais ganha espaço. A sigla para Building Information Model – ou, em português, Modelagem da Informação da Construção – se refere a uma solução que veio para aprimorar o desenvolvimento de projetos e, consequentemente, a execução de edificações.

Com o BIM é possível criar modelos virtuais com medidas e projeções mais precisas e confiáveis, dando uma visão mais realista de todo o projeto. Leonardo Manzione é especialista no assunto. Engenheiro com mestrado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e doutorado em BIM também pela Poli-USP, ele também é diretor-executivo da Coordenar, empresa de consultoria BIM inteligente (iBIM).

“Atuamos na implantação e na gestão e coordenação de projetos com o uso do BIM, atendendo os segmentos da cadeia da construção civil ou empresas contratantes de obras e projetos. Também sou professor do MBA em Especialização em Gestão de Projetos na Construção da Universidade de São Paulo”, diz Leonardo.

Ao longo de 39 anos de experiência profissional em engenharia civil, foi diretor de várias construtoras. Também foi responsável pela elaboração das especificações técnicas em IFC do Caderno BIM de Santa Catarina (primeiro BIM Mandate do Brasil publicado por um órgão público).

Além disso, Manzione é membro do grupo internacional de pesquisas “Building SMART Regulatory Interoperability Working Group” – que tem por objetivo desenvolver recomendações sobre as metodologias existentes para os aspectos regulatórios de edifícios – e do Comitê ABNT CEE/134, responsável pela elaboração da Norma BIM.

Confira abaixo a entrevista completa com Leonardo Manzione sobre o crescimento da solução no mercado da construção.

BIM é tanto uma tecnologia quanto um processo de trabalho.

leonardo manzione, especialista em bim
Leonardo Manzione, diretor-executivo da Coordenar. Foto: Divulgação/Coordenar.

O que é BIM?

BIM quer dizer Building Information Model ou, em português, Modelagem da Informação da Construção. É tanto uma tecnologia quanto um processo de trabalho, por isso, não podemos chamá-lo somente de tecnologia. Ele tem o lado tecnológico que é o uso de softwares, mas acima disso, existe todo um processo de trabalho associado com a tecnologia.

Desta forma, BIM também quer dizer Building Information Modeling – flexibilizando o verbo Model. Isso significa que o BIM é um conjunto de processos de engenharia, o qual se utiliza de uma tecnologia para produzir modelos de informação de edifícios.

Como este processo se aplica dentro da atividade da construção?

Ele se aplica em todo o ciclo de vida do edifício. É possível trabalhar com BIM – tanto processo quanto ferramenta – desde o estágio preliminar de estudos de prospecção, concepção, urbanização, aproveitamento de áreas, passando para os estudos preliminares do edifício, projetos, planejamento, orçamento, acompanhamento da execução do edifício, monitoramento, uso e manutenção, operação e retrofit. Todo o ciclo de vida do edifício – do começo até o fim – abriga uma enorme gama de aplicações possíveis.

Quando a tecnologia começou a ser utilizada? E qual é a sua adesão no mercado brasileiro?

A utilização no mercado brasileiro é basicamente recente, alguns percursores começaram a surgir a partir de 2003 ou 2004. Nos últimos dois anos tem ganhado mais força no mercado. Apesar da crise econômica, o mercado tem percebido a obrigatoriedade do uso da tecnologia e da metodologia BIM.

Não existem indicadores confiáveis que revelam qual é a adesão da ferramenta, no entanto, temos uma percepção como consultor e professor que existe um interesse crescente, além de uma maior demanda. Nos últimos anos também começamos a ter mais exigências de uso do BIM por órgãos governamentais e grandes empresas. Isso tem sido o motivador mais forte.

Em 2018, o Governo iniciou o desenvolvimento de uma regulamentação propondo a adoção oficial do BIM no Brasil, o que impulsionou construtores a buscarem a implantação do processo. Eles estão percebendo que não é apenas um modismo e, sim, algo que veio para mudar a forma de trabalho.

O que implicam estas diretrizes criadas pelo Governo?

Houve um trabalho de criação de diretrizes por parte do Governo Federal para a implantação gradual do BIM no Brasil até 2020 ou 2022, se não estou enganado. Não se trata de uma lei, mas sim de um conjunto de estratégias para a implantação dos processos, além de implicarem que as contratações de obras governamentais passem a ter, obrigatoriamente, o uso do BIM. Porém, isso ainda depende do atual governo dar continuidade e regulamentar, de fato, estas diretrizes.

A maioria ainda enxerga como um software e não como uma nova forma de gerir o edifício e seus processos.

Quais barreiras ainda seguram o crescimento do BIM no mercado?

A maior barreira hoje é cultural, principalmente no que se refere às mudanças de hábitos de trabalho. A tecnologia é bastante acessível em termos de investimento, que é muito pequeno se comparado com o valor agregado obtido.

Acredito que nós temos vários entraves, entre eles a própria formação dos profissionais engenheiros e arquitetos possui esta falha, por ser muito recente. Ainda temos poucos cursos sobre o assunto e somente agora a graduação começa a implantar a matéria em seus currículos oficiais. Apenas algumas universidades, de forma muito pontual, estão se atentando a ferramenta.

Existe também uma característica do setor da construção civil que é a resistência do uso da tecnologia da informação de maneira geral. Muitos empresários enxergam a tecnologia da informação como despesa e não como investimento ou ativo valioso. Ainda existe falta de informação quanto às vantagens que a ferramenta pode trazer.

Porém, o fator mais preponderante é a questão cultural e de entendimento do setor como um todo da importância do processo BIM. A maioria ainda enxerga como um software e não como uma nova forma de gerir o edifício e seus processos. Infelizmente, estamos no começo deste período de mudança de pensamento e maturação.

Quais são as maiores vantagens para o desenvolvimento de projetos?

A grande vantagem é ter as informações do edifício em mãos. Comparando o BIM com tecnologias convencionais de engenharia e arquitetura, na tecnologia convencional o usuário tem que desenhar o projeto, enquanto no BIM ele cria o edifício virtualmente e não só com a geometria, mas, também, com todas as informações de cálculos de quantidade, cronograma e etc.

Tudo que é feito manualmente passa agora a ter automação. A informação passa a estar viva dentro do modelo do edifício e não mais algo que você tem que fazer manualmente. Agora, vale ressaltar que ter essa informação e saber fazer a gestão de modo eficiente vai de acordo com a competência de quem está gerindo todo o processo.

O BIM é compatível com softwares mais populares de engenharia e arquitetura?

Na verdade ele substitui todos este softwares e o processo de trabalho em softwares 2D. Este processo vai deixar de existir com o advento do BIM, onde tudo tem informação em outra escala. O BIM acaba sendo um processo que rompe com um processo existente atualmente.

A ferramenta elevou a eficiência e produtividade no setor da construção?

Baseado em casos onde já temos um grau de maturidade maior do uso do BIM, tanto em países desenvolvidos quanto em casos pontuais no Brasil, com certeza existe grande ganho de produtividade e de melhoria do produto final.

É possível elencar muitas possibilidades de ganhos reais, porém, não é a tecnologia em si que faz essa diferença e, sim, a gestão dos processos feita por pessoas. A tecnologia pode fazer coisas incríveis, mas as pessoas têm que saber se apropriar dessas informações para trabalharem com mais eficiência.

Como a gestão deve ser feita para tirar o melhor proveito da ferramenta?

Para que a gestão seja bem-sucedida, primeiro a implantação deve ocorrer de uma forma bem estruturada dentro da companhia, com auxilio de consultores especializados. O erro mais comum de empresas é a contratação de vendedores de softwares para a implantação do BIM. É preciso mudar o processo de gestão, planejamento e orçamento, atividades que requerem planos estratégicos durante a implantação, que devem ser orientados por quem conhece de construção civil, de mercado e de empresas.

É necessário fazer o estudo de cada empresa, identificar suas visões, missões e conceitos para tal. Alguns pontos são parecidos, mas a visão do dono da corporação para a operação é fundamental para que tudo dê certo. Não se deve ter o entendimento de apenas trocar um software por outro. Esse é o motivo que muitas implantações não dão o retorno esperado.

A tecnologia pode fazer coisas incríveis, mas as pessoas têm que saber se apropriar dessas informações para trabalharem com mais eficiência.

Como é a integração das equipes de trabalho com a implantação do BIM?

O BIM propõe uma quebra de barreira de comunicação entre as equipes. No processo de trabalho convencional existe pouca comunicação entre os agentes e empresas participantes do projeto. Cada um entende que tem que fazer apenas a sua parte específica e, assim, acaba olhando muito pouco para o todo.

Também propõe um processo horizontal de integração, onde é necessária a colaboração entre os agentes, compartilhando modelos de informação. Se não houver esta integração, o resultado não será satisfatório.

Como o processo pode tornar o projeto mais sustentável?

A sustentabilidade é um conceito que abrange diversos pontos, desde o aproveitamento adequado de materiais até a redução do consumo de recursos naturais. São diretrizes estratégicas que devem ser aplicadas por projetos que querem ser sustentáveis. O BIM facilita a inserção das informações de sustentabilidade para que o edifício possa se submeter a uma certificação, por exemplo.

Qual é o futuro do BIM nos próximos anos?

É um caminho sem volta. Ele veio para mudar processos de trabalho. O que vejo é que, apesar de lenta, a adesão ao BIM começa a ser cada vez maior, principalmente por parte dos contratantes – o Governo em uma ponta e os investidores do mercado privado em outra. Isso deve impulsionar o mercado

É uma evolução inevitável, na qual os países desenvolvidos já estão adotando há um tempo. Acho que temos que estudar e nos preparar para não ficar atrasados, porque este é um futuro realmente inevitável.

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