Novos projetos de hospitais exigem cuidados essenciais em meio à urgência. Mas a sustentabilidade nas novas estruturas não deve ser negligenciada, em prol dos pacientes e funcionários


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A chegada do novo coronavírus em nosso país mudou em poucas semanas o cotidiano das pessoas, bem como uma série de atividades. E a forma como a saúde pública teve que se adequar às novas e urgentes solicitações de forma a atender às demandas exigidas neste momento sensível, mostra-nos como são cada vez mais importantes os desafios de projetar os ambientes de saúde mais adequadas, com foco crítico em todos os usuários do hospital ou seja, “não somente o paciente, mas também seu acompanhante ou família, ao corpo clínico e administrativo e aos fornecedores, ou seja, a todos que transitam ou usam o equipamento” ressalta Antonio Carlos Rodrigues, arquiteto especialista em arquitetura hospitalar e projetos de ambientes de saúde, e CEO da ACR Arquitetura.

Antonio Carlos Rodrigues, da ACR

Além da preocupação com o bem-estar de todo o público envolvido, outras premissas de uma estrutura hospitalar sustentável devem trazer redução de custos fixos com água, energia, resíduos e ainda cuidar das mudanças climáticas globais, reduzindo as emissões de carbono, por exemplo.

O conforto, funcionalidade e fluxograma do dia a dia, transformado em dados que podem ser obtidos junto aos médicos, enfermeiras, recepcionistas, ajudantes e até motoristas podem fornecer informações valiosas que facilitarão a criação de um projeto eficiente.

“Ao implementar soluções que aumentem a iluminação e a ventilação naturais, tornamos essas edificações menos dependentes de fontes artificiais de energia, poupando recursos que podem ser investidos pelas instituições de saúde em outras necessidades” afirma Lara Kaiser, Diretora de Healthcare do estúdio São Paulo da Perkins and Will, que completa ainda que “essas medidas reduzem o estresse e níveis de depressão, reduzindo o risco de erros médicos e até o tempo de recuperação dos pacientes”.

Operação e manutenção são desafios no projeto hospitalar

Envolvendo alta complexidade e multidisciplinaridade, tanto o projeto de um hospital como sua operação, demandam um trabalho em equipe e com muito planejamento e gerenciamento. Entre os principais aspectos estão a definição coerente dos fluxos e funcionalidades, desde a fase do plano diretor para garantir a eficiência da instalação de saúde. Isso exige também muito treinamento e conscientização dos profissionais da equipe multiprofissional de saúde para conseguir atingir todas as metas sustentáveis acordadas.

Eleonora Zioni, da Asclépio Consultoria

Um bom projeto hospitalar deve prever a diminuição dos percursos, colaborando com o tratamento redução do risco de infecção hospitalar em benefício dos pacientes, acompanhantes e colaboradores. “A operação e manutenção de um hospital sempre deve manter a consciência que o foco do negócio do hospital é cuidar do maior bem de todas as pessoas, que é a vida humana”, lembra Eleonora Zioni, diretora executiva da Asclépio Consultoria, que presta serviços de planejamento de recursos físicos e arquitetônicos para diversos hospitais e edifícios de saúde.

O principal desafio da operação é manter, atualizar e operar os edifícios sem interromper ou prejudicar o atendimento, sem transtorno físico ou psicológico para todos os usuários. Daí a importância de um bom projeto, que representa um bom investimento, revertendo em economia e facilidade de operação ao longo do tempo. Esta é uma premissa da construção sustentável.

Outro grande desafio diz respeito ao controle de contaminação e infecção, que deve ser uma constante nos hospitais, sendo possível minimizar com a correta separação dos fluxos de entrada e saída de insumos, pessoas, lixo, material esterilizado e a esterilizar, e a setorização das diferentes áreas críticas, semicríticas e não críticas. Enfim o fluxograma de um hospital é estratégico.


Confira nos próximos dias, as entrevistas na íntegra, dos especialistas ouvidos nesta reportagem.


 

Hospitais de campanha surgem como alternativa emergencial

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Hospital de Campanha do Ibirapuera – SP

As imagens da construção em 6 dias, de um hospital com 1.000 leitos na província chinesa de Wuhan, local de surgimento do novo coronavírus, mostrou uma impressionante capacidade de mobilização e adequação a uma situação de grave emergência pública em razão da pandemia da Covid-19.

Lara Kaiser, da Perkins and Will

Modelos de hospitais de campanha, como este apresentam uma estrutura relativamente mais simples, onde o principal desafio é a construção de forma rápida e com baixo custo. São utilizados recursos como pré-moldados e estrutura metálica, para agilizar o processo construtivo, e contam com acabamentos que facilitam a assepsia, como vinílicos e melamínicos, possibilitando a agilidade na rotatividade dos leitos. “Esse tipo de instalação, na verdade, ainda é semelhante às estruturas hospitalares dos séculos XVII e XIX, como as enfermarias envisionadas por Florence Nightingale” refere Lara Kaiser, que é mestre em Planejamento Hospitalar pela Unidade de Pesquisa de Arquitetura Hospitalar da London South Bank University, na Inglaterra.

Assim como em Wuhan, agora em 2020, na epidemia da SARS em 2002-2003, os chineses construíram em sete dias um hospital de 100 leitos para internar as pessoas infectadas em quarentena. Mais de 4000 pessoas trabalharam initerruptamente noite e dia para construir o ‘Xiaotangshan Hospital’ no subúrbio de Pequim. Tratava-se, como agora, de um esforço amplo e necessário para valorizar as vidas humanas em jogo. E com isso, não configuram exemplos de hospitais sustentáveis, por ter causado um grande impacto com o uso de muitos materiais como concreto e aço, para depois não utilizar mais este equipamento.

Por outro lado, “há outros exemplos em diversos países de hospitais de campanha infláveis, em carretas, em containers metálicos reutilizados, estes são ótimos exemplos da inovação e criatividade da Arquitetura Hospitalar devidamente embasada por planejamento de demanda da administração hospitalar”, lembra a arquiteta e urbanista Eleonora Zioni, que possui MBA em administração hospitalar e sistemas de gestão de saúde pela FGV-EAESP.

Trazendo para o exemplo brasileiro, na região metropolitana de São Paulo conta hoje com 8 hospitais de campanha em operação. As instalações, embora construídas em um ritmo bastante acelerado, seguem todas as normas e padrões de prevenção e segurança.

Alguns destes hospitais, como os do Pacaembu e do Ibirapuera, utilizaram tendas e revestimentos higienizáveis que serão reaproveitados em eventos e feiras futuramente. Nos locais em que faltavam leitos forma feitos ou estão sendo construídos hospitais que permanecerão, como no M’Boi Mirim, na zona sul da capital do estado.

Engº. Antonio Carlos Dolacio, do IBAPE/SP

Enfatizando as implicações técnicas na execução destas obras, o Engº Civil Antonio Carlos Dolacio, vice-coordenador da Câmara de Inspeção Predial do Ibape/SP, avalia alguns pontos importantes que são observados na execução dessas obras provisórias, tais como, estrutura, instalações elétricas/hidráulicas, ventilação, proteção e combate a incêndios, etc., que devem apresentar projetos executivos devidamente detalhados, bem como o estudo de compatibilidade entre os diversos projetos executivos tenha sido realizado. Outro fator importante é o gerenciamento da obra para garantir que a mesma está sendo executada conforme projetada e planejada. “Considerado o cenário de urgência ora experimentado, uma solução possível seria a contratação, pela gerenciadora da obra, já durante a execução das estruturas e instalações, de equipe multidisciplinar de peritos, para desenvolvimento de check-list e vistorias, no sentido de garantir uma conferência quanto à adequação técnica das obras executadas”, ressalta Dolacio.”

Certificações sustentáveis tem muito campo no segmento hospitalar

Apesar do aumento na demanda, a sustentabilidade ainda abrange um pequeno número dos hospitais e serviços de saúde, mas já há instituições inovadoras que investem e ditam tendência neste segmento. Alguns empreendimentos hospitalares obtiveram, ao longo dos últimos anos, certificações de referência que confirmam suas práticas sustentáveis. As certificações de maior visibilidade no Brasil, o LEED e o AQUA, tem seus critérios que devem considerar as metas de redução de consumo de energia e de água, melhoria da qualidade do ar interno e o conforto ambiental, otimização da insolação e a ventilação, além de aproveitar o terreno da melhor maneira, viabilizar meios de transporte acessíveis, implantar materiais e recursos sustentáveis de maneira consciente, além de serem totalmente integrados com as engenharias e disciplinas complementares.

O LEED tem uma modalidade específica para a saúde, LEED Healthcare que tem critérios específicos, por exemplo, em relação à qualidade do ar e à acústica. Já a Fundação Vanzolini lançou a certificação AQUA para empreendimentos hospitalares no final de 2010, que se baseia em 14 critérios de sustentabilidade divididos em quatro fases: ecoconstrução, ecogestão, conforto e saúde. Isso abrange a concepção, o projeto, a construção e a fase de uso dos empreendimentos. São 4 hospitais certificados LEED e 6 certificados AQUA no Brasil até hoje. Ainda segundo Eleonora, “existe também a Rede Global de Hospitais Verdes e Saudáveis e o Projeto Hospitais Saudáveis, aqui no Brasil mais de 200 hospitais participam”.  

“Em minhas experiências nos diversos tipos de certificação, incluindo BREAAM, na Europa, entendemos que o modelo de certificações converge as ações do projeto para conquista dos pontos necessários e favorece o trabalho em conjunto entre arquitetura e a engenharia. Essa colaboração, por sua vez, gera melhores resultados, pois o processo de desenvolvimento fica mais alinhado em relação aos cronogramas e expectativas do projeto e obra, inclusive”, complementa Lara, da Perkins and Will.

À esq: Hospital Oswaldo Cruz, certificado LEED e à direita, Hospital Santa Paula, certificado AQUA.

Um dos resultados práticos demonstram que, além de ambientalmente correto, o retorno é um fator de decisão. Um bom argumento é se um hospital verde pode custar até 10% mais caro, também garante um custo operacional, em média, 15% menor. “Acho que o ponto mais relevante é a economia de recursos na construção e a economia na operação no que tange ao consumo de energia, água e manutenção”, atesta Antonio Rodrigues, da ACR.

O que aprenderemos com a pandemia

O momento de crise pede uma visão mais aprofundada dos fatores que nos levaram à situação atual. Em que pese a imprevisibilidade do surgimento de uma pandemia como a do novo coronavírus, o fato é que a gestão atual da saúde deixou evidente o despreparo global e revelou também a necessidade de soluções específicas no design hospitalar para o caso de um surto de pacientes devido a uma doença ou desastre natural. “Acredito que esse cenário nos proporciona diversos aprendizados em relação aos espaços com os quais interagimos, em especial os hospitais” revela Lara.

Para Eleonora, que tem mais de 25 anos de atividade com Arquitetura Hospitalar, “a pandemia tem evidenciado a importância dos riscos ambientais e de como é necessário o arquiteto especializado para fazer projetos integrados e colaborativos com atuação significativa da Arquitetura Hospitalar como apoio aos serviços assistenciais de saúde”.

Uma visão mais humana e menos redundante dos ambientes internos dos hospitais deve impulsionar os novos empreendimentos e mudar a forma como gestores constróem seus hospitais e também os planos de reforma das já existentes para um novo olhar sobre os usuários, que passam então a usufruir de espaços mais confortáveis, racionais e diversificados, prontos para promover e auxiliar a melhora dos pacientes o mais rápido possível, em edificações de maior resiliência, que possam se adaptar em cenários emergenciais.

Em relação ao cenário mais amplo da crise, Antonio Carlos, da ACR, afirma que a “gestão da saúde já vem sendo abordada a algum tempo no mercado e acho que esta questão será mais forte daqui em diante. Temos que ter moradias, cidades e transporte mais dignos e salubres. Não podemos nos ater a cuidar da doença, temos que otimizar nossa saúde para uma vida longa e com qualidade.” E completa “Precisamos aprender com esta crise. Se não aprendermos teremos outra e outra, e cada vez mais severas”.

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