Arquiteto B.V. Doshi está entre os críticos do projeto, que é acusado de não respeitar a diversidade cultural do país.

India
Migrações forçadas deram início a diversas favelas na Índia. A população agora teme outras mudanças impostas pelo governo.

País com imensa densidade populacional e várias zonas de extrema pobreza, a Índia lançou, em 2015, uma iniciativa multissetorial para desenvolver 100 “cidades inteligentes” até 2020, visando acelerar o desenvolvimento urbano do país. A premissa da Missão Cidade Inteligente, como foi batizado o projeto orçado em US$ 7,5 bilhões, seria dar à população a infraestrutura básica, com saneamento, eletricidade, saúde e segurança; e também soluções tecnológicas que melhorassem a qualidade de vida dos habitantes.

Para isso, esperava-se uma união entre os diferentes níveis de governo, em que as melhores propostas dos órgãos municipais ganhariam o financiamento. Tudo isso pensando no crescimento da população indiana, que deve chegar a 1,5 bilhão de pessoas até 2030, e na tendência de maior urbanização.

Índia
Cena cotidiana da desigualdade na Índia

Passados três anos, no entanto, a missão recebe críticas por não respeitar a diversidade cultural do país. O arquiteto indiano B.V. Doshi, vencedor do prêmio Pritzker de 2018, deu voz a esses descontentamentos lembrando que não adianta construir um modelo de cidade baseado no desenvolvimento ocidental.  “Nossas cidades, em grande parte, não podem ser definidas como as cidades no Ocidente. O gado ainda é criado na cidade, então, que tipo de lugar é esse? Isso é uma cidade, é uma área rural ou algo intermediário?”, questionou.

Além disso, mesmo considerando apenas a sociedade indiana, há diversas etnias e costumes, a depender da região. O que pode não ser contemplado em um programa que padroniza a noção de “cidade inteligente”. “O problema com a noção de ‘cidades inteligentes’ é que ela determina a solução de um ambiente em uma única imagem, não levando em consideração a especificidade cultural. A única maneira de envolver as pessoas na construção da cidade é responder às necessidades e aspirações locais. Para ser socialmente relevante, as cidades têm que crescer para fora de suas raízes”, aponta o urbanista de Mumbai, Rahul Mehrotra.

Nas 100 áreas definidas pelo projeto, estimou-se primeiramente renovar as áreas urbanas, de forma convencional, para depois aplicar, pontualmente, soluções inteligentes. “Então você não vai ter 100 cidades inteligentes. Você vai ter 100 enclaves inteligentes dentro de cidades por todo o país”, criticou a diretora executiva da Housing and Land Rights Network (HLRN), Shivani Chaudhry.

Há, ainda, as questões da própria execução da modernização. Já são diversos relatos de pessoas tiradas à força de suas comunidades, e da aplicação de ações de despejo sobre quem estiver no local desejado para a mudança. Comunicado com viés de inclusão social, o plano teria, na verdade, um caráter gentrificador.

O próprio modelo de administração dos projetos de cidades é controverso. O governo indiano designou Veículos de Propósito Especial (SPV, na sigla e inglês) para este fim, nomeando os responsáveis por cada um deles e permitindo participação minoritária da iniciativa privada. Assim, crescem também as críticas no sentido de que a modernização das cidades siga interesses lucrativos e, ao mesmo tempo, não possam ser questionados politicamente.

Tudo isso, diz Chaudry, tira o foco do que são os maiores problemas da população pobre indiana – crise agrária e uma migração forçada, com grandes populações vivendo em favelas sem acesso a bens básicos. “A premissa da cidade inteligente como um modelo relevante para a Índia precisa de uma reavaliação fundamental, especialmente quando os lucros parecem prevalecer sobre as pessoas e a tecnologia sobre os direitos humanos”, observa.

Clique aqui para conhecer o manifesto da Missão Cidade Inteligente do governo indiano.

Fonte: Arch Daily Brasil

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