Compromissos internacionais, novas políticas governamentais e avanços na economia de água pelas empresas foram anunciados no evento. Mas notícias alarmantes também. foram divulgadas.
Cinco dias de debates, exposições, apresentação de projetos e ideias e anúncios de compromissos internacionais. O Fórum Mundial da Água levou a Brasília, entre 19 e 23 de março, lideranças de mais de 170 países para discutir formas de preservar esse que é o mais vital dos recursos naturais.
A oitava edição do evento teve a importância de ser a primeira realizada no hemisfério sul do planeta, fora do mundo “desenvolvido” e onde estão os países em desenvolvimento. Possuidor de 12% das reservas de água doce disponíveis no mundo e do rio mais extenso do mundo – o Amazonas -, o Brasil esteve mais uma vez no centro de demandas ambientais globais, repetindo o que se viu na Rio 92 e Rio + 20, em 2012.
Veja abaixo os principais destaques, anúncios e novidades trazidas pelo evento ocorrido na capital brasileira. E clique aqui para ler a série de reportagens produzidas pelo Going GREEN Brasil para a Semana da Água.
Perigo de escassez
Em relatório apresentado no primeiro dia de evento, a Organização das Nações Unidas alertou para o fato de que a demanda mundial por água tem aumentado a uma taxa de 1% por ano, em razão do crescimento da população e de mudanças nos padrões de consumo. Por outro lado, cenários de secas e cheias têm ficado cada vez mais extremos e estima-se que o número de pessoas que vivem em áreas com potencial de apresentar escassez hídrica ao menos uma vez por ano pode saltar dos atuais 3,6 bilhões para algo entre 4,8 bilhões e 5,7 bilhões até 2050.
“Nós precisamos de novas soluções para a gestão dos recursos hídricos, para enfrentarmos os desafios emergentes relativos à segurança hídrica originados pelo crescimento demográfico e pela mudança climática. Até 2050, se não fizermos nada, cerca de cinco bilhões de pessoas viverão em áreas com baixo acesso à água”, disse em comunicado à imprensa Audrey Azoulay, diretora-geral da Unesco
Brasil sob risco
Por aqui, a situação não é diferente. Dos 5.570 municípios brasileiros, 16% estão correndo algum risco relacionado ao abastecimento de água, que inclui a falta dela. O número foi apresentado pelo ministro da Integração Nacional Helder Barbalho. O número, na verdade, corresponde às cidades que pediram ajuda do governo federal nos últimos 180 dias para lidar com problemas de estiagem. Há outras que estão sob risco mas não necessariamente recorreram a Brasília, o que pode tornar o problema ainda maior.
Maior preservação dos oceanos
A boa notícia do lado do governo veio como anúncio, pelo ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, da criação oficial pelo governo brasileiro de dois mosaicos de unidades de conservação (UCs) marinhas – as áreas de proteção ambiental (APA) e monumentos naturais (Mona) dos arquipélagos de São Pedro e São Paulo (PE) e de Trindade de Martim Vaz (ES). O decreto criando as classificações de proteção foi assinado pelo presidente da República, Michel Temer, e publicado no Diário Oficial da União (DOU). Com criação das UCs marinhas, o Brasil amplia de 1,5% para 25% a sua área protegida na zona costeira-marinha, ultrapassando os 17% recomendados pelas Metas de Aichi, um conjunto de ações que devem ser assumidas pelos países para deter a perda de biodiversidade planetária.
O presidente Michel Temer anunciou, também, que sua administração trabalha em um projeto de lei para modernizar o marco regulatório do saneamento básico, criado em 2007. Sem detalhar qual o estágio atual da elaboração da proposta e quando será enviada ao Congresso, o presidente – que, especula-se poderá concorrer à reeleição, ao contrário do que já anunciou – afirmou que a intenção é integrar os esforços, uma vez que “se atuarmos de forma desarticulada, todos pagaremos um preço. As soluções que buscamos são sempre coletivas.”
Exemplo da China
De uma parceria entre o Conselho Mundial da Água e o Ministério de Recursos Hídricos da China resultou o livro Segurança Hídrica Mundial – Lições aprendidas e implicações a longo prazo, lançado durante o Fórum Mundial da Água. O livro conta experiências reais de políticas, gerenciamento, desenvolvimento e decisões de governança tomadas no setor de água, e exemplos sobre como afetaram os setores de energia e agricultura, bem como impactaram o meio ambiente, e vice-versa. A obra inclui estudos de caso em cidades, países e diversas regiões do mundo, como Austrália, China, Cingapura, Ásia Central, Marrocos, África do Sul, França, América Latina, Brasil e Califórnia.
Autoridades se pronunciam
Durante a Conferência de Juízes e Promotores no Fórum Mundial da Água, esses profissionais divulgaram o primeiro documento oficial internacional feito pela classe jurídica sobre a importância da preservação da água. Chamado Instituto Judicial Global, o documento tem como objetivo padronizar as questões judiciais que envolvam o direito ambiental e mais especificamente, aspectos relativos à água.
O manifesto admitiu a necessidade de se criar novas leis para garantir o uso sustentável da água, e estabeleceu princípios que devem nortear a gestão hídrica em todos os países do mundo. Entre eles, a noção de que preservar a água é preferível a trata-la, e o estabelecimento de que, em dúvida sobre qualquer questão, as decisões devem beneficiar a preservação do recurso. Participaram de tal lançamento a ex-ministra do meio ambiente, Marina Silva, e a procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
Outro documento divulgado foi a Declaração Ministerial do 8º Fórum Mundial da Água intitulada “chamado urgente para uma ação decisiva sobre a água”. Trata-se do resultado dos debates entre ministros e chefes de delegação de mais de 100 países. A declaração reconhece que todos os países precisam tomar medidas urgentes para enfrentar os desafios relacionados à água e ao saneamento, estabelecendo algumas ações consideradas prioritárias.
Compromissos empresariais
Grandes empresas apresentaram durante o Fórum o resultado de suas políticas de gestão e economia de recursos hídricos. A Petrobras afirmou ter reutilizado, no ano passado, 25,4 milhões de metros cúbicos de água, ou 12,5% de toda sua demanda, o bastante para abastecer uma cidade de 615 mil habitantes por um ano. Além de ter 293,2 milhões de metros cúbicos de efluentes antes de lança-los no meio-ambiente. Já a Philip Morris Brasil recebeu a certificação da Alliance for Water Stewardship (AWS – Aliança para Administração da Água) para sua planta em Santa Cruz do Sul (RS). O selo atesta política sustentáveis em relação à agua, e foi entregue à empresa que afirma ter redução de 30,5% no volume de água utilizado para a produção de cigarros entre 2010 e 2017.
Já o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), que inclui empresas como Ambev, Braskem, Coca-Cola Brasil, CPFL, Ecolab, Boticário, Unilever e Vedacit, divulgou um compromisso para a gestão responsável dos recursos hídricos, promovendo ações de combate ao desperdício e eficiência na indústria. O documento possui seis itens básicos, entre os quais estão a promoção ao engajamento de toda a cadeia produtiva das empresas e a medição e comunicação pública da gestão da água por elas, além da inserção do tema água na estratégia de negócios.
Pesquisa para drenagem pluvial
A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), em conjunto com o Inmetro, criou um ambiente para testar tecnologias que vão tornar as cidades brasileiras mais inteligentes em relação ao uso da água. No projeto, foi definida a instalação de um cenário específico voltado para o abastecimento e para a drenagem de águas pluviais. Os testes serão feitos no campus do Inmetro, em Xerém (RJ), onde vai funcionar uma espécie de minicidade para testar as soluções. Elas ficarão disponíveis para a adoção pelas gestões municipais.
Tigre faz parceria
A fabricante de tubos e conexões Tigre firmou parceria com a Water.org, organização cofundada pelo ator Matt Damon e pelo engenheiro Gary White que atua no combate à crise global da água para garantir maior acesso a estruturas básicas de saneamento e ligações de água.
Será desenvolvido um projeto piloto para a construção de banheiros em comunidades carentes de Santa Catarina. O início está previsto para abril na cidade de Lages, terá a duração de um ano e será importante para testar o modelo de acesso a materiais e serviços financeiros desenvolvidos e identificar possíveis melhorias. A intenção é ampliar o acesso à água potável e ser um catalisador em prol do saneamento básico nas regiões menos privilegiadas do país.
Incentivo aos pequenos
Durante o Fórum, o Sebrae promoveu um Camp de Inovação para fomentar e desenvolver ideias inovadoras para o uso sustentável da água. Participaram do desafio 10 ideias e 10 startups, que tiveram a ajuda de mentores e puderam apresentar os projetos.
Ao final, uma ideia e uma startup foram premiadas com gadgets, novas mentorias exclusivas com especialistas e investidores e credenciais para participação em eventos de representatividade do segmento. Foram vencedores o Aqualuz, equipamento que trata água de cisterna usando radiação solar e um filtro de fibras biodegradáveis acompanhado por um sistema de monitoramento de qualidade em tempo real; e o Eco Panplas, tecnologia de de reciclagem de plásticos que não utiliza água em nenhuma etapa do processo.
Além disso, a Cervejaria Ambev anunciou as iniciativas vencedoras do Desafio SAVEh 2017, que premia micro, pequenas e médias empresas que conseguiram reduzir seu consumo de recursos hídricos durante o ano. A Amcor Manaus (Amazonas) ficou com o primeiro lugar, tendo reduzido seu consumo de água em 19%, e vai receber R$ 20.000 para implementar novas ações de eficiência hídrica.