Incentivos governamentais são fundamentais para que ocorra um crescimento significativo no mercado de veículos elétricos e híbridos.
No recente mês de junho, a população brasileira viu o País praticamente parar devido à greve dos caminhoneiros. Na época, a crise levantou alguns debates em relação à dependência do transporte rodoviário para a logística nacional, ao uso majoritário de combustíveis fósseis e o pouco incentivo à produção e disseminação de biocombustíveis e, também, a adesão aos veículos elétricos.
Segundo dados da Agência Internacional de Energia (International Energy Agency, em inglês), a venda de carros eletrificados – que abrange tanto elétricos quanto híbridos – bateu um novo recorde em 2017: cerca de 1,1 milhão de unidades em todo o mundo. Em tempo, a principal diferença entre veículos elétricos e híbridos está no motor. Enquanto o primeiro modelo utiliza apenas motores via energia elétrica que substitui o combustível convencional, o híbrido possui dois motores – elétrico e a combustão –, no qual é possível escolher qual será acionado ou, até mesmo, optar pela combinação de ambos.
No Brasil, apesar do otimismo de agentes do setor em relação ao crescimento de vendas no primeiro semestre – de janeiro a maio de 2018, houve uma evolução de 65% se comparado com o mesmo período do ano passado –, a disseminação ainda é muito pequena. De acordo com dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), a frota eletrificada nacional gira em torno de 8.500 veículos, o que representa apenas 0,02% dos 43 milhões do total que circula no território brasileiro.
“O mercado de veículos elétricos no Brasil está pronto para ocupar mais espaço, desde que receba os estímulos adequados para tal”, afirma Ricardo Guggisberg, presidente da ABVE. Os maiores obstáculos para que o modelo possa decolar de vez são dois: a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e a ausência de uma rede de pontos de recarga para o abastecimento nas principais rodovias das grandes cidades e do País.
“A maioria das montadoras está à espera da definição do Governo sobre qual será a regra do jogo da eletromobilidade para lançar novos produtos elétricos no mercado brasileiro. Empresas como BMW e BYD já comercializam veículos 100% elétricos, enquanto a Toyota já admite produzir no Brasil o seu modelo elétrico híbrido flex, movido a etanol. A Nissan pode fazer o mesmo, assim como a Renault, Volkswagen e General Motors. Não tenho dúvida de que veremos estes veículos circulando no Brasil nos próximos dois ou três anos”, diz Ricardo.
Se hoje os veículos elétricos pagam 25% de imposto e os híbridos pagam entre 7% a 25% – dependendo da capacidade volumétrica do motor –, os critérios e as alíquotas vão mudar a partir de 1º de novembro. A faixa de imposto será de 7% a 20% e vai levar em consideração o peso do veículo e a eficiência energética, conforme medida publicada no Diário Oficial em 6 de julho de 2018.
Já para incentivar o aumento de pontos de recarga, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) aprovou, recentemente, a regulamentação sobre o serviço para empreendedores. Desta forma, distribuidoras, postos de serviços e outros empreendimentos podem disponibilizar estações de recarga e cobrar pelo serviço. A regulamentação abre caminho para investimentos em infraestrutura de recarga associados a sistemas de geração solar fotovoltaica, por exemplo, o que reduz o custo de energia e ajuda a viabilizar os veículos elétricos.
O presidente da ABVE também lista outras ações possíveis para incentivar a produção e o uso de veículos eletrificados. “Os Governos Estaduais e municipais podem definir que as empresas troquem os ônibus a diesel por veículos eletrificados nas concessões do transporte coletivo. Podem exigir que os táxis e as frotas de prestadores de serviços públicos sejam movidos a combustíveis renováveis. O Governo Federal pode criar linhas de crédito facilitadas nos bancos públicos para a compra deste modelo de veículos, além de modernizar a regulamentação do mercado de distribuição de energia, facilitando a operação de pequenas empresas de energia eólica e solar”, comenta Ricardo.
Transporte sustentável
O uso de veículos elétricos e híbridos – sejam carros de passeio sejam ônibus de transporte coletivo, entre outros – é uma importante alternativa de meio de transporte sustentável, uma vez que utilizam energia limpa e emitem menos poluentes ao meio ambiente. De acordo com um cálculo feito pela vice-presidente da ABVE para veículos pesados, Iêda de Oliveira, se uma cidade como São Paulo utilizasse veículos eletrificados em sua frota de ônibus, ela deixaria de emitir 14,3 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2) na atmosfera.
Desta forma, o veículo eletrificado é visto como uma excelente solução de mobilidade sustentável para combater questões atuais de aquecimento global, qualidade do ar e dependência dos combustíveis fósseis. Entre as vantagens em relação aos movidos a combustível, estão maior eficiência do motor – podendo reduzir entre 70% a 90% o consumo energético e o custo financeiro; sustentabilidade – visto que o veículo elétrico é a única solução 100% zero emissões de ruídos e poluentes; condução silenciosa – devido à ausência de várias peças móveis no motor e do sistema de escape; custos de utilização; frenagem regenerativa; e condução mais agradável, dispensando o pedal de embreagem.
Em relação ao custo-benefício, Ricardo Guggisberg explica que o custo inicial do veículo elétrico é mais alto do que um convencional por causa, principalmente, do preço das baterias. No entanto, a tendência de queda no preço das baterias fará com que o investimento inicial seja similar até 2025. Já em termos de desempenho, a comparação é mais favorável aos eletrificados, conforme afirma Adalberto Maluf, diretor de marketing, sustentabilidade e novos negócios da BYD Brasil. “O custo da energia elétrica despendida por veículos eléctricos com um sistema de armazenamento de energia em baterias corresponde a um terço do valor do custo do combustível utilizado por veículos com motores de combustão interna, para a mesma distância percorrida e em condições idênticas de utilização. Além disso, os elétricos têm menos custos de manutenção, já que não precisam de trocas de óleo frequentes e outras operações de manutenção.”
Um estudo da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL Energia) de 2016 apontou que o custo médio do quilômetro rodado de um carro elétrico é de R$ 0,11, enquanto o de um carro convencional é de R$ 0,31, ou seja, três vezes mais. Ao considerar um valor de R$ 4 por litro de gasolina, um carro comum com 50 litros no tanque e eficiência de 12 km por litro gastará R$ 200 para percorrer 600 km. Já um carro elétrico fará os mesmos 600 km com apenas R$ 66.
Segundo Adalberto, a produção de um carro elétrico é igual à de um convencional, com a vantagem de reduzir drasticamente a quantidade de componentes móveis e aqueles que requerem lubrificação, o que diminui custos de manutenção e de operação. Em relação às baterias, hoje em dia, elas estão cada vez mais evoluídas, com um ótimo desempenho e vida útil. No caso da BYD Brasil – uma das pioneiras no assunto –, foram desenvolvidas baterias de ferro-lítio, que têm uma vida útil de mais de 25 anos. “Ela é usada inicialmente em veículos elétricos por cerca de 10 a 15 anos e depois pode ser reaproveitada em sistemas estacionários de energia (regulagem de frequência da rede, micro redes, armazenamento para renováveis como fotovoltaica e redução de consumo na ponta). Após os 30 anos, as baterias podem ser 100% recicladas”, afirma o executivo.
Ônibus elétricos
É importante ressaltar que quando falamos de veículo eletrificado, não estamos nos resumindo apenas a carros de passeio. O investimento de veículos eletrificados pesados, como ônibus, é um importante passo para o desenvolvimento sustentável de grandes centros urbanos. A implantação de uma frota de ônibus elétricos teria como principal benefício sustentável a emissão zero de poluentes locais, reduzindo drasticamente os gases do efeito estufa. Isso traz mais qualidade e expectativa de vida para a população de qualquer cidade. “Estes benefícios já justificariam os investimentos nos ônibus elétricos, no entanto, além da valorização da vida e do meio ambiente, também seriam evitados gastos no sistema público de saúde relacionados à poluição e ao estresse provocados pelo barulho dos veículos que funcionam com combustíveis fósseis”, diz Adalberto, diretor da BYD Brasil.
Um Projeto de Lei de 2017 na cidade de São Paulo obriga que os ônibus municipais zerem as suas emissões de gases poluentes em 20 anos. A BYD é uma das montadoras que está investindo na produção de ônibus elétricos. A primeira frota da empresa foi testada em Campinas (SP) e há conversas para que o modelo seja adotado na capital paulista. “Nós comercializamos no Brasil três modelos de chassis (conhecido como esqueleto do veículo). Eles possuem autonomia entre 220 e 300 km, não emitem poluentes, tem baixo custo de manutenção e possuem oito anos de garantia para o trem de força elétrico e para as baterias, além de garantir maior conforto aos passageiros”, comenta Adalberto.
Outras cidades como Brasília (DF), Uberlândia (MG), Curitiba (PR), Rio de Janeiro (RJ), entre outras, também já possuem uma pequena quantidade de ônibus elétricos – de diferentes montadoras – em suas frotas. “Se formos capazes de formular um conjunto consistente de políticas de eletromobilidade, podemos mudar o cenário com muita rapidez. Temos uma das maiores matrizes de eletricidade renovável do planeta, indústrias de veículos elétricos e componentes já instaladas no Brasil, bons pesquisadores nas universidades, uma sólida indústria de biocombustíveis para veículos híbridos, enfim, temos todas as condições de recuperar o tempo perdido e participar da revolução mundial do transporte sustentável”, conclui Ricardo, presidente da ABVE.