Confira a entrevista com Eleonora Zioni, diretora executiva da Asclépio Consultoria, sobre a arquitetura hospitalar em meio à pandemia.


especial covid19


Eleonora Zioni arquitetura hospitalar
Eleonora Zioni, diretora executiva da Asclépio Consultoria

Especialistas em arquitetura hospitalar falaram conosco sobre os desafios de projetar hospitais tendo em vista a sustentabilidade e as demandas urgentes da pandemia do novo coronavírus. 

Apresentamos, na íntegra, a entrevista com Eleonora Zioni*, da Asclépio Consultoria:

Portal Going Green Brasil. Qual a importância e as principais características de um hospital sustentável?

Eleonora Zioni. A importância de um hospital sustentável se deve ao hospital ser um equipamento social muito significativo para todos. O hospital é o edifício mais complexo que existe: são 6 edifícios em um só! O hospital é a união de um edifício de escritórios, de um shopping-center, de um hotel, de uma indústria e até de uma escola.

Um hospital sustentável é o que consegue ter ambientes saudáveis, prestar serviços assistenciais aos pacientes, fazer bem para a saúde das pessoas que trabalham e que visitam; ao mesmo tempo que consegue trazer redução de custos fixos com água, energia, resíduos e ainda cuidar das mudanças climáticas globais, reduzindo as emissões de carbono, por exemplo.

GGB. Do ponto de vista da operação, quais os principais desafios que devem ser enfrentados, em termos do ambiente hospitalar, contaminação, bem-estar e conforto?

EZ. A operação e manutenção de um hospital sempre deve manter a consciência que o foco do negócio do hospital é cuidar do maior bem de todas as pessoas, que é a vida humana! Os desafios envolvem fazer reformas, adequações e adaptações necessárias visando o bem-estar e o conforto dos usuários sem interromper o funcionamento do hospital, afinal os hospitais funcionam 24 horas por dia, 365 dias por ano, sem parar. Tudo isso exige também muito treinamento e conscientização dos profissionais da equipe multiprofissional de saúde para conseguir atingir todas as metas sustentáveis acordadas. A contaminação é um risco constante nos hospitais que deve ser sempre minimizado com a correta separação dos fluxos e a setorização das diferentes áreas críticas, semicríticas e não críticas; esses são elementos essenciais no planejamento e arquitetura de um edifício de saúde.

GGB. O que temos visto nesse tempo de pandemia, são os hospitais de campanha, como de Wuhan, na China e diversos deles aqui pelo Brasil. O que estes hospitais nos mostram em termos de sustentabilidade e inovação de projetos?

EZ. A pandemia da Covid-19 é um momento revolucionário histórico que trouxe alguns pontos positivos, merecem destaque:  a valorização da vida e a confiança na ciência. Todos os esforços que estão sendo feitos são para valorizar a vida humana em equilíbrio com os outros seres vivos e o ambiente, mas precisamos entender cientificamente como funciona um vírus. Estamos seguindo e confiando nas evidências da ciência. Por que ainda existe quem não confie nas mudanças climáticas e no colapso ambiental?

A revista científica inglesa, The Lancet, já havia publicado um estudo com a Universidade de Londres em 2009, afirmando que a maior ameaça a saúde do século 21 são as mudanças climáticas.  Temos vivido epidemias cada vez mais frequentes e algumas ainda não estão sanadas como a dengue, chikungunya, febre amarela e a zika que tomou proporções internacionais em 2016. Cientificamente já estávamos avisados sobre uma grande pandemia global, não só o Bill Gates sabia e fez uma TED sobre o assunto em 2015. Teremos ainda outras pandemias. Temos que cuidar dos efeitos na saúde mental das pessoas também. É necessário repensarmos todas as formas de viver e as todas as ações para um melhor equilíbrio social, econômico e ambiental.

Na Província Chinesa de Wuhan, a capital Hubei construiu em seis dias um hospital com 1000 leitos em estrutura pré-fabricada para atender ao surto de emergência com o mesmo projeto do ‘Xiaotangshan Hospital’. Na outra epidemia da SARS em 2002-2003, os chineses construíram em sete dias um hospital de 100 leitos para internar as pessoas infectadas em quarentena. Mais de 4.000 pessoas trabalharam ininterruptamente noite e dia para construir o ‘Xiaotangshan Hospital’ no subúrbio de Pequim. Infelizmente, conforme entrevista à rede BBC do Sr. Yanzhong Huang, membro sênior de Saúde Global do Conselho de Relações Exteriores da China, esse hospital foi praticamente abandonado após a contenção da SARS em 2003. Isso não é um exemplo de hospital sustentável por ter causado um grande impacto com o uso de muitos materiais como concreto e aço, para depois não utilizar mais o hospital.

Os hospitais de campanha, como os do Pacaembu e do Ibirapuera aqui em São Paulo, utilizaram tendas e revestimentos higienizáveis que serão reaproveitados em eventos e feiras futuramente. Nos locais em que faltavam leitos estão sendo construídos hospitais que permanecerão, como no M’Boi Mirim, zona sul. Temos exemplos, em diversos países, de hospitais de campanha infláveis, em carretas, em containers metálicos reutilizados, que são ótimos exemplos da inovação e criatividade da Arquitetura Hospitalar devidamente embasada por planejamento de demanda da administração hospitalar.

Na Cúpula da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável em setembro de 2015, o Brasil apresentou a meta de reduzir em 43% a emissão de gases do efeito estufa até 2030, a partir da quantidade do ano base de 2005. Temos que seguir os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e abaixar o aquecimento da Terra para 1,5oC. Os edifícios, juntamente com a indústria e os transportes, são os 3 grandes emissores de gases de efeito estufa.

A pandemia tem evidenciado a importância dos riscos ambientais e de como é necessário o arquiteto especializado para fazer projetos integrados e colaborativos com atuação significativa da Arquitetura Hospitalar como apoio aos serviços assistenciais de saúde.

GGB. Sobre as certificações existentes em projetos de hospitais, o LEED for Health e o AQUA, quais os pontos mais relevantes para a obtenção destes selos?

EZ. As certificações são a confirmação das práticas sustentáveis. A LEED é a única certificação que tem uma modalidade específica para a saúde, LEED Healthcare. Os projetos de arquitetura para prédios verdes devem considerar as metas de redução de consumo de energia e de água, melhorar a qualidade do ar interno, privilegiar o conforto ambiental, aproveitar o terreno da melhor maneira, viabilizar meios de transporte acessíveis, otimizar a insolação e a ventilação, implantar materiais e recursos sustentáveis de maneira consciente, além de serem totalmente integrados com as engenharias e disciplinas complementares. Existe também a Rede Global de Hospitais Verdes e Saudáveis e o Projeto Hospitais Saudáveis, aqui no Brasil mais de 200 hospitais participam.  

GGB. Na sua opinião, o que este momento da pandemia pode agregar à questão hospitalar em termos de conscientização das melhorias das condições dos projetos?

EZ. Sou otimista! Acho que a pandemia está evidenciando a importância dos riscos ambientais e de como é necessário o arquiteto especializado para fazer projetos integrados e colaborativos com atuação significativa da Arquitetura Hospitalar como apoio aos serviços assistenciais de saúde. A EBSERH abriu licitação para médicos, enfermeiros, técnicos, engenheiros e arquitetos hospitalares para atender a pandemia. Já foram chamadas mais de 2.000 profissionais. Tenho trabalhado muito nos últimos meses pois dou consultoria para o Brasil todo. É uma grande honra colaborar para a saúde das pessoas!

GGB. Por fim, fale um pouco sobre o seu relacionamento com os projetos de hospitais sustentáveis

EZ. Trabalho há 25 anos, sou especializada em Arquitetura Hospitalar e sempre gostei de sustentabilidade, provavelmente influenciada pelo meu pai que era engenheiro. Meus avós imigraram da Itália e o conceito de não desperdiçar sempre foi muito presente na minha família e continua até hoje.

Em 2006, registramos o Hospital Albert Einstein para o processo de certificação LEED. Participei do projeto, construção e certificação, tendo sido o maior hospital certificado LEED Gold em 2009 com 70.000m2. Como na época eu trabalhava em uma empresa multinacional, a Kahn, fui a sétima profissional certificada LEED no Brasil. Não se entendia bem o que era sustentabilidade aqui no Brasil. Quando eu comentava com os fornecedores de materiais que precisávamos das informações para a certificação LEED, me diziam: “ah, vocês vão usar lâmpada LED?!!!” 


*Eleonora Zioni é arquiteta e urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP), com especialização em arquitetura para saúde pela FUPAM-USP e MBA em administração hospitalar e sistemas de gestão de saúde pela FGV-EAESP. É certificada pela Universidade de Michigan (EUA), profissional LEED AP BD+C desde 2007, certificada WELL faculty, DGNB consultant, consultora GBC Brasil Casa, professora do curso “LEED for Healthcare” pelo GBC Brasil desde sua fundação. Fez mestrado pela FAU-USP, focando em como a Arquitetura colabora para a saúde e o bem-estar mental. Cursou especialização executiva em Cultura de Saúde e Edifícios saudáveis na Harvard T.H. Chan School of Public Health em Boston, nos EUA. Atua na sua empresa, Asclépio Consultoria, prestando serviço de planejamento de recursos físicos e arquitetônicos de diversos hospitais e edifícios de saúde, readequações físicas e espaciais; certificações ambientais LEED, AQUA e WELL; e aprovação de projetos na Vigilância Sanitária, entre outros serviços.

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