Confira a entrevista com Lara Kaiser, Diretora de Healthcare do escritório de arquitetura Perkins and Will, sobre os projetos hospitalares em meio à pandemia.
Para falar sobre os hospitais em meio à pandemia, convidamos alguns especialistas do segmento, que deram suas opiniões e impressões sobre o tema e quais os desafios do setor.
Apresentamos, na íntegra, a entrevista com Lara Kaiser*, do estúdio paulista da Perkins and Will:
Portal Going Green Brasil. Qual a importância e as principais características de um hospital sustentável?
Lara Kaiser. Além do menor impacto no meio-ambiente, as edificações sustentáveis têm duas vantagens principais: a eficiência energética e o bem-estar dos usuários. Isso, claro, também se aplica aos edifícios de saúde. Ao implementar soluções que aumentem a iluminação e a ventilação naturais, tornamos essas edificações menos dependentes de fontes artificiais de energia, poupando recursos que podem ser investidos pelas instituições de saúde em outras necessidades.
O acesso à luz e ventilação natural também promovem o bem-estar não só aos nos pacientes, mas em seus acompanhantes e aos colaboradores do hospital. Essas medidas reduzem o estresse e níveis de depressão, reduzindo o risco de erros médicos e até o tempo de recuperação dos pacientes.
Desta forma, temos uma edificação hospitalar ambiental, social e economicamente sustentável, definida como Green Building.
GGB. Do ponto de vista da operação, quais os principais desafios que devem ser enfrentados, em termos do ambiente hospitalar, contaminação, bem-estar e conforto?
LK. Os fluxos e adjacências devem ser definidos de forma coerente desde a fase do plano diretor para garantir a eficiência da instalação de saúde. O projeto deve prever a diminuição dos percursos, colaborando com o tratamento redução do risco de infecção hospitalar em benefício dos pacientes, acompanhantes e colaboradores.
GGB. O que temos visto nesse tempo de pandemia, são os hospitais de campanha, como de Wuhan, na China e diversos deles aqui pelo Brasil. O que estes hospitais nos mostram em termos de sustentabilidade e inovação de projetos?
LK. Os hospitais públicos de campanha têm uma estrutura relativamente simples. São montados com estrutura metálica, para agilizar o processo construtivo, e contam com acabamentos que facilitam a assepsia, como vinílicos e melamínicos, possibilitando a agilidade na rotatividade dos leitos. Esse tipo de instalação, na verdade, ainda é semelhante às estruturas hospitalares dos séculos XVII e XIX, como as enfermarias envisionadas por Florence Nightingale, na Inglaterra. Tratam-se de um modelo de pavilhões divididos em alas, onde há um posto de enfermagem dedicado a cada ala e com pavilhões de apoio logístico adjacentes.
A estrutura desses hospitais é pensada para ser construída de forma rápida e com baixo custo. Por isso, são utilizados recursos como pré-moldados e estrutura metálica, que são acessíveis e de rápida instalação, favorecendo a modulação e oferecendo menos riscos de erros.
Entendemos que o modelo de certificações converge as ações do projeto para conquista dos pontos necessários e favorece o trabalho em conjunto entre arquitetura e a engenharia.
GGB. Sobre as certificações existentes em projetos de hospitais, o LEED for Health e o AQUA, quais os pontos mais relevantes para a obtenção destes selos?
LK. Existem diversos tipos e níveis de certificações de construções sustentáveis. Para cada uma delas, há uma lista de pré-requisitos. Para obter o LEED, por exemplo, há medidas como: localização e transporte, eficiência no uso da água e energia, materiais utilizados na construção, qualidade interna dos ambientes, inovação, entre outros. Quanto mais características sustentáveis tiver uma edificação, maior será o nível da certificação.
É importante frisar que sustentabilidade não se refere somente à preservação do meio-ambiente e uso eficiente de recursos naturais, mas também ao bem-estar dos usuários da edificação e da comunidade no entorno.
Em minhas experiências nos diversos tipos de certificação, incluindo BREAAM, na Europa, entendemos que o modelo de certificações converge as ações do projeto para conquista dos pontos necessários e favorece o trabalho em conjunto entre arquitetura e a engenharia. Essa colaboração, por sua vez, gera melhores resultados, pois o processo de desenvolvimento fica mais alinhado em relação aos cronogramas e expectativas do projeto e obra, inclusive.
GGB. Na sua opinião, o que este momento da pandemia pode agregar à questão hospitalar em termos de conscientização das melhorias das condições dos projetos?
LK. Acredito que esse cenário nos proporciona diversos aprendizados em relação aos espaços com os quais interagimos, em especial os hospitais. Deixou evidente o despreparo global e revelou a necessidade de soluções específicas no design hospitalar para o caso de um surto de pacientes devido a uma doença ou desastre natural.
O Rush University Medical Center, em Chicago, foi projetado pela Perkins and Will pensando nessas possibilidades. Por isso, ele é hoje um dos protagonistas no combate ao COVID-19 na região. Características como áreas conversíveis em local de atendimento para uma expansão de emergência e possibilidade do isolamento de alas específicas são alguns dos principais diferenciais desse projeto. Outra característica interessante é a disponibilização de pontos de gases e elétrica nas colunas dos corredores, possibilitando o tratamento nessas áreas em caso de superlotação.
Em São Paulo, temos um projeto de um hospital geral com um centro cirúrgico por andar de internação. A medida foi pensada antes da pandemia, mas possibilitará, neste cenário, o isolamento de andares inteiros, além de um atendimento mais ágil. Esse mesmo hospital terá ainda o que estamos chamando de “leitos flex”, isto é, leitos tradicionais que acomodam a quantidade mínima de pontos de gases e elétricas de um leito de UTI. Além de agilizar o atendimento em uma emergência ou piora de um paciente, a solução ajuda com a ampliação da quantidade de leitos de tratamento intensivo.
Este momento deve mudar a forma como gestores constróem seus hospitais. Agora, reformas, ampliações e até novas construções devem ser feitas pensando em desafios como esse no futuro. Veremos edificações resilientes, que possam se adaptar em cenários emergenciais.
GGB. Por fim, fale um pouco sobre o seu relacionamento com os projetos de hospitais sustentáveis.
LK. Como arquiteta certificada, LEED GA, acredito que a sustentabilidade está diretamente relacionada ao nível de eficiência e longevidade de uma edificação de saúde e me sinto responsável por desenvolver projetos sustentáveis, mesmo que o cliente não exija uma certificação. Me debruço sobre o tema, procurando sempre inovações nessa área, assim tenho uma bagagem mais consistente para argumentar a favor dessas medidas com o cliente, apontando as oportunidades e vantagens da construção sustentável.
Minha experiência na Europa, por exemplo, me permitiu um bom conhecimento da certificação BREAAM em todos os planos diretores e projetos desenvolvidos. No Brasil, o projeto do Novo Centro de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, em construção em São Paulo, também foi um ótimo aprendizado, onde apliquei muito da minha experiência e trabalhei em conjunto com equipes especializadas para desenvolver uma edificação LEED Gold.
Outra movimentação que vem acontecendo no setor da arquitetura hospitalar é a adaptação de edificações pré-existentes (muitas vezes corporativas) para a implantação de instalações de saúde.
Trata-se de um grande desafio, devido às normas relacionadas à vigilância sanitária, dos bombeiros e demais órgãos públicos. É necessário adaptar edificações originalmente desenvolvidas para outros usos para atender a todas as normas para edifícios hospitalares.
Foi o que ocorreu, por exemplo, no projeto do novo Hospital Sancta Maggiore, da Prevent Senior, no Morumbi. A Perkins and Will adaptou uma torre corporativa no Morumbi para transformá-la em um hospital com características inovadoras, o que foi um grande aprendizado.
Este tipo de adaptação têm ocorrido com mais frequência, devido ao aumento da demanda por atendimento na rede privada. A medida dá agilidade na ampliação do atendimento, além de dar utilidade a edifícios vazios e abandonados, o que também pode ser visto como uma iniciativa sustentável.
Acredito que esse cenário nos proporciona diversos aprendizados em relação aos espaços com os quais interagimos, em especial os hospitais.
*Lara Kaiser é graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Belas Artes de SP (1995); pós-graduada em Gestão e Gerenciamento de Projetos pela Faculdade de Engenharia da USP – Poli (2006) e mestre em Planejamento Hospitalar pela Unidade de Pesquisa de Arquitetura Hospitalar da London South Bank University, na Inglaterra (2008). LEED Green Associate e com experiência em projetos na Europa e Estados Unidos, Lara é Diretora de Healthcare do estúdio São Paulo da Perkins and Will, onde também atuou como Diretora de Operações. Atualmente, lidera projetos no Brasil como:
Centro de Ensino e Pesquisas do Albert Einstein, 45.000 m², São Paulo
Rede D´Or Sino Brasileiro, 324 leitos, 35.000 m², Osasco
Plano Diretor Hospital São Camilo Granja Viana, 60.000 m², São Paulo
Prevent Senior Unidade Morumbi, 184 leitos, 25.000 m², São Paulo
Fleury Unidade Morumbi, 20.000 m², São Paulo
Prevent Senior Brigadeiro, 25.000 m², São Paulo