Edifício em Curitiba utiliza sistema de tratamento de água que une tecnologia e agentes biológicos para dispensar totalmente a necessidade de uso da rede de abastecimento.
ENTRE 19 E 23 DE MARÇO, O PORTAL GOING GREEN BRASIL CELEBRA O DIA INTERNACIONAL DA ÁGUA (22/3) COM UMA SÉRIE DE REPORTAGENS SOBRE A IMPORTÂNCIA DESTE RECURSO VITAL PARA A VIDA HUMANA E A SUSTENTABILIDADE. FALAREMOS SOBRE QUESTÕES AMBIENTAIS, USO NOS EDIFÍCIOS, GESTÃO HÍDRICA E EMPRESAS QUE OFERECEM SOLUÇÕES INOVADORAS ENVOLVENDO A ÁGUA. CLIQUE AQUI PARA VER OS CONTEÚDOS JÁ PUBLICADOS E AJUDE A PROMOVER O USO SUSTENTÁVEL DA ÁGUA EM TODOS OS MOMENTOS.
Como grandes unidades consumidoras de água, edifícios comerciais são uma das partes mais interessadas em um uso eficiente e sustentável desse recurso. Afinal, a economia financeira vem em escala maior e o benefício ambiental é multiplicado, gerando reconhecimento. Não é à toa que, na busca de certificações como LEED, AQUA E BREEAM, o uso eficiente recursos hídricos é, junto com o dos energéticos, parte fundamental para a obtenção de uma boa pontuação.
Conforme esses reconhecimentos cresceram em importância, proliferaram-se as boas práticas, inclusive no Brasil. É verdade que gerar um processo 100% virtuoso na economia e uso da água exige múltiplos cuidados. E, conforme cresce o interesse em ser sustentável, a pergunta que muitos fazem é: por onde começar?
Consultoria especializada em eficiência hídrica e energética, a paranaense Petinelli aperfeiçoou-se nesse serviço conforme as certificações internacionais fizeram com que aumentasse a demanda por edifícios sustentáveis. Para o engenheiro ambiental da empresa João Vitor Gallo, o primeiro passo não exige nenhum malabarismo: reduzir ou repensar o consumo vem antes de qualquer investimento.
“A primeira coisa é diminuir o tamanho do que chamamos a ‘fome do leão’. Ou seja, o consumo de água. Pois, com um consumo menor, é mais fácil tornar investimentos em equipamentos mais viáveis e justificar a economia”, explica.
Por si só, a conscientização no consumo pode fazer uma grande diferença na economia de água e dinheiro (clique aqui para ver como a rede Sesc de São Paulo alcançou ótimos resultados com um baixo investimento). Mas sistemas de captação de água da chuva, tratamento, reuso e redução da vazão nos equipamentos vêm se tornando cada vez mais populares. Seja por interesse dos consumidores ou por força de legislações mais rigorosas que vêm sendo implementadas. “Por exemplo: aqui em Curitiba é exigido tratamento de água cinza em projetos com mais de 5 mil metros quadrados. E as residências também precisam sair com captação da agua da chuva ao menos para irrigação”, cita Gallo.
O sonho do net zero
Diversos empreendimentos realizaram, nas últimas décadas, processos exemplares para alcançar bons resultados em economia de água, resultando na multiplicação de certificações no Brasil. Já são mais de 700 projetos com certificação LEED, além de outros 170 com o reconhecimento AQUA-HQE. Mas alguns poucos conseguiram o que talvez seja o benefício máximo em termos de gestão hídrica: o status de “net zero”, ou nenhum uso da água da rede de abastecimento.
É o caso do Eurobusiness, edifício com 15,5 mil metros quadrados de área construída e 16 pavimentos, localizado na capital paranaense. Detentor de selo LEED Platinum, o edifício tem como único custo envolvendo a água a outorga pelo uso de um poço artesiano. Mas, mesmo com essa fonte de água, a maior parte utilizada no prédio é fornecida pelo próprio sistema de tratamento e reuso do prédio.
“O prédio foi planejado para aliar a tecnologia com o convívio harmônico com a natureza. Captação de energia solar, elevador com regenerador de energia, conceito de tratamento e reaproveitamento de água, visando não somente economia de valores, mas também em neutralizar o uso de recursos ambientais. E conseguimos o objetivo maior, que era sermos autossuficientes em água”, comemora o proprietário e BBB Gestão e Planejamento, empresa que fez a gestão da obra do Eurobusiness, Marcos Bodanese.
Economia com agentes biológicos
A solução adotada pelo Euroobusiness, em parceria com a Petinelli, chama a atenção por usar não só estrutura mecanizada, mas também diversos agentes biológicos. A primeira etapa do tratamento acontece no subsolo, onde mesmo os efluentes dos vasos sanitários são 100% tratados. Para isso, é utilizado um tanque de biocompostagem, onde fica uma população autorregulada de minhocas que fazem a primeira “limpeza” daquele material, se alimentando de parte dos dejetos.
Ali também são realizados processos de filtragem e a diluição dessa água junto a outra, drenada das galerias pluviais. “Todo mundo que faz subsolo tem que drenar essa água, mas acabam jogando fora, porque ela carrega sedimentos. Mas a gente a utiliza, inserindo-a em nosso processo de tratamento”, explica Bodanese.
Do subsolo, a água é bombeada diretamente ao topo do edifício, onde novos organismos vivos são adicionados ao processo. Primeiro passando pela chamada torre verde, onde bactérias e protozoários vão tirar uma nova parte dos efluentes, e depois nas wetlands (terras molhadas), jardins com plantas decompositoras que também funcionam como telhado verde. “Após a filtragem inicial, ela é bombeada às duas coberturas do edifício, onde estão jardins e plantas macrófitas que fazem a absorção dessa parte sólida que ainda está em suspensão na água”, descreve.
Nessa etapa, a água em processo de tratamento recebe a companhia daquela captada na chuva para as fases posteriores do processo, que incluem ozonização, nova filtragem em tanques de areia e coloração. E, mesmo se o volume for maior do que o possível de comportar, a água excedente não é desperdiçada. “Quando há excesso de água, ela desce por uma cisterna e é bombeada em duas áreas de preservação permanente, de mata virgem, que temos próximas”, conta o gestor da BBB. Facilita esse processo o fato do Eurobusiness estar dentro de um bairro planejado, o Ecoville, junto a uma reserva ambiental.
Com todo esse processo, são 9,1 mil metros cúbicos de água economizada anualmente no Eurobusiness, que comporta 2,2 mil pessoas – e ainda não tem todos seus espaços ocupados. Financeiramente, são R$ 81 mil reais que deixam de ser gastos todos os anos. O que é somente parte do benefício de ser ambientalmente correto: as boas práticas levaram ao edifício também o primeiro selo LEED Platinum do Sul do país.
Bons resultados em diferentes segmentos
Atingir o status de net zero não precisa ser o objetivo de todo prédio. Mas ao menos se aproximar desse objetivo pode ajudar em um cenário geral de economia de água, considerando que a gestão dos recursos hídricos depende tanto dos usuários quanto de quem opera a rede de abastecimento.
Para alguns tipos de edifícios, se aproximar desse status é particularmente difícil. Mas, mesmo nesses casos, se pode buscar soluções. “Em hotéis é muito difícil ser net zero, pois há muitos banhos, muito consumo generalizado de água. Mas você pode reduzir o problema usando torneiras automáticas, produtos de baixa vazão, fazendo a conscientização”, explica João Vitor Gallo.
A maior barreira para a disseminação dessas iniciativas, aponta o engenheiro, é a mentalidade geral que vê apenas o ganho financeiro imediato. “Aqui no Sul, a água é muito barata. Então nem sempre a economia está na cabeça das pessoas. Quando vai fechar a conta do retorno sobre o investimento, tem que ser um consumidor muito grande para esse número fechar”.
O exemplo do Eurobusiness, no entanto, mostra que os efeitos positivos são multiplicáveis. Lá, não somente os administradores economizam água e preservam o status de um dos edifícios mais sustentáveis do país, como parte do ganho ainda é repassada aos condôminos. Não somente em água, mas também energia elétrica – o edifício combina várias soluções, como telhado verde, ventilação por demanda, sensores de presença e placas fotovoltaicas para economizar 38% do consumo de energia.
“Nossa economia, somada, é de quase R$ 600 mil. Com isso, conseguimos ter um valor condominial menor. Enquanto temos concorrentes cobrando 17 reais o metro quadrado de condomínio, nós reduzimos o valor em 6,3%, cobrando 8 reais o metro quadrado útil”, destaca Marcos Bodanese.
Mais uma prova de que ser sustentável dá resultado – em todos os sentidos.