A ferramenta Gestão das Águas Paulistas, desenvolvida pelo CRA-SP, permite o acesso a indicadores de gestão do uso de água e tratamento de esgoto.
O Conselho Regional de Administração de São Paulo (CRA-SP) lança, em parceria com a Associação Paulista de Municípios (APM), o projeto Gestão das Águas Paulistas. A ferramenta disponibiliza acesso a indicadores de gestão e auxilia os municípios paulistas e seus gestores na administração do uso de água e tratamento de esgoto, oferecendo à população um importante instrumento de fiscalização do poder público.
O projeto foi desenvolvido por meio de um segmento dos dados do programa Gestão Estratégica de Serviços de Água e Esgoto (GESAE), desenvolvido pelo Conselho Federal de Administração (CFA), que, por sua vez, estratificou e organizou os dados oficiais disponibilizados pelo extinto Ministério das Cidades – incorporado pelo atual Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).
A Rede Brasil do Pacto Global – Organização das Nações Unidas (ONU), através de seu Grupo Temático que trata do assunto de água e saneamento, também apoiou a criação do projeto.
A ferramenta Gestão das Águas Paulistas permite a consulta – na forma de gráfico no portal do CRA-SP – a seis diferentes indicadores de gestão, possibilitando, inclusive, comparar simultaneamente como esses recursos vêm sendo administrados em dezenas de cidades, uma vez que contém os números de todos os municípios do estado de São Paulo dos anos de 2012 a 2016.
“Nós tomamos conhecimento que o Ministério das Cidades possuía uma quantidade enorme de dados dos municípios e eles são obrigados a informar”, diz Roberto Carvalho, presidente do CRA-SP. “Vimos que naqueles dados poderíamos obter informações que seriam de grande valia para essa questão de águas. Nos pautamos por pegar poucas coisas, mas com muita qualidade e o mais significativo dos municípios do estado de São Paulo, todos, sem exceção”, destaca.
Um dos maiores benefícios da Gestão das Águas Paulistas é a sua interface amigável, que permite que o público tenha acesso de forma simples e rápida a indicadores oficiais de gestão, elaborados também com base nos dados oficiais fornecidos pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) do Ministério do Desenvolvimento Regional.
“Estes indicadores auxiliarão no desenvolvimento dos planos municipais de saneamento e no atingimento de suas metas e, trarão benefícios econômicos relacionados a redução do desperdício de água e a melhoria no acesso da mesma e saneamento para os municípios, gerando redução com gastos relacionados a saúde da população, por exemplo”, diz Thiago Terada, coordenador do Grupo Temático (GT) Água da Rede Brasil do Pacto Global.
Os 6 indicadores são:
- Índice de Perda de Faturamento – Desperdício de água (%);
- Índice de Coleta de Esgoto (%);
- Índice de Tratamento de Esgoto (%);
- Tarifa de Água (m³);
- Tarifa de Água e Esgoto (m³);
- População (habitantes).
O primeiro indicador é tratado por Roberto Carvalho como um dos mais importantes. “A água precisa ser tratada, captada e distribuída. Há municípios no estado de São Paulo com mais de 50% de desperdícios. Há quem diga que se resolver tão somente esse problema já é uma solução enorme”, ele diz.
“Vale ressaltar que não basta o esgoto ser captado e jogado no rio, decidimos apurar quantos por cento ele é tratado. Também foi averiguado o custo para o consumidor do metro cúbico de água. Sabemos que há disparidades, pois, os municípios podem ter uma empresa de água para tratamento da mesma e de esgoto ou terceirizar o serviço”, afirma.
Para o presidente do CRA-SP, o objetivo da fermenta é despertar curiosidade, indagação e também fornecer conhecimento à sociedade, já que qualquer pessoa pode entrar. Trata-se de uma informação democratizada. “É até uma forma de a sociedade fazer uma pressão. Se eu pago R$ 2,50 pelo metro cúbico de água, por que os municípios vizinhos ao meu pagam R$ 1,80? Isso vai fazer com que a pressão nos gestores aumente”, diz. As informações também estão disponíveis para os prefeitos e para as Câmaras Municipais do estado de São Paulo.
“Hoje precisamos das pessoas físicas e jurídicas, das instituições, de maneira geral, para ir além e ter uma contribuição do lado social. Vemos a ferramenta como a possibilidade de difundir o conhecimento que nós temos para darmos uma contribuição à gestão pública”, ele afirma.
Clique aqui para conferir como estão os indicadores da sua cidade.
Parceria com a APM
De acordo com o presidente do CRA-SP, a APM foi a grande propagadora do programa. Toda a expertise e o contato que a associação tem com os prefeitos e secretários municipais ajudaram na elaboração da ferramenta.
“A uma tendência do brasileiro de querer fazer tudo sozinho. Quando a sabedoria, ao nosso ver, está em realizar parceria, somar as especialidades de cada um. Como existe a APM, que é uma instituição que tem 70 anos e contato direto com os prefeitos, por que não chamá-la para participar e também ser uma propagadora, dar conhecimento e despertar as pessoas em relação a esse item que é de extrema importância?”, indaga Carvalho.
A Associação Paulista de Municípios realizará, no mês de abril, um encontro de prefeitos, que será em Campos do Jordão. A expectativa é que na pauta do evento, um dos tópicos seja a Gestão das Águas Paulistas, justamente para que a ferramenta possa ser mostrada para todos os governos municipais.
Rede Brasil do Pacto Global
A Rede Brasil do Pacto Global, iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) que envolve o setor privado em programas alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), apoiou o CRA-SP e a APM na construção da nova plataforma de consulta a respeito dos recursos hídricos das cidades do estado de São Paulo.
“Ter o aval de uma instituição internacional tem outro valor. O CRA-SP é signatário do Pacto Global e, não basta ser signatário, o importante é o que a gente faz para poder chegar aos objetivos. Eles têm uma comissão de gestão específica de água e saneamento, que se encaixa perfeitamente com a ferramenta. Uma coisa é você ter uma ação corretiva e uma outra preventiva, e essa parte de água tratada e esgoto é fundamental do ponto de vista de saúde pública, ao nosso ver, faz parte de uma política de governo”, afirma Roberto Carvalho.
A organização conduz projetos no Brasil por meio dos seus Grupos Temáticos (GT), divididos atualmente em: Água, Energia e Clima, Alimentos e Agricultura, Direitos Humanos e Trabalho, Anticorrupção e ODS.
Além disso, existe a Comissão de Engajamento e Comunicação, que dá as diretrizes para as divulgações feitas pelos membros sobre o Pacto Global e sobre os ODS. Esses grupos são formados por representantes das empresas e organizações que integram a Rede no País.
O Grupo Temático Água visa colaborar para a construção de uma agenda de governança em água, engajando o setor privado na adoção de práticas sustentáveis em suas operações e em suas cadeias de abastecimento para promover o uso eficiente do insumo. Ele atua totalmente em consonância com o ODS número 6, que busca assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e do saneamento para todos até 2030.
No ano passado, o Grupo Temático Água abriu uma chamada de projetos onde os membros da Rede tiveram a oportunidade de submeter propostas para criação de novos cases e para escalar os que já estavam em andamento, com vistas a criar oportunidades de buscar parcerias e meios de implementação para os mesmos, envolvendo diversos atores que podem colaborar significativamente com o sucesso das iniciativas.
“O projeto Gestão das Águas Paulistas foi um dos selecionados para ser desenvolvido no âmbito do subgrupo de saneamento do GT Água, com o objetivo de disponibilizar acesso a indicadores de gestão para auxiliar os municípios do estado de São Paulo e seus gestores na administração do uso de água e tratamento de esgoto, e oferecer à população uma poderosa ferramenta de fiscalização na sua gestão”, comenta Thiago Terada.
O Pacto exerce um papel fundamental ao apoiar a disponibilização de uma ferramenta de gestão de recursos hídricos que trará muitos benefícios a sociedade e contribuirá no compromisso de reduzir o desperdício de água e estimular o reúso dela.
Um dos benefícios do Gestão das Águas Paulistas estar em conformidade com o ODS 6 é buscar cumprir um desafio global e uma meta identificada como prioritária para alcançar um futuro mais sustentável até 2030.
“Além disso, em nível nacional, também possuímos metas relacionadas ao saneamento, previstas no Plano Nacional de Saneamento (PLANSAB), cuja o objetivo é universalizar o saneamento em um horizonte um pouco maior, isto é, até 2033”, diz Thiago.
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Conscientização da população
Na opinião de Roberto Carvalho, o importante é que a geração mais nova seja inclinada à sustentabilidade. A plataforma Gestão das Águas Paulistas pode ajudar nesse aspecto. “Faço um paralelo com o computador. Existia a geração que não tinha e nem sequer sabia o que era um computador, tinha a geração que se adaptou e a mais nova que já nasce sabendo e entendendo. A sustentabilidade está nesse mesmo contexto”, ele frisa.
Ganhos econômicos
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada US$ 1 investido em saneamento, há a estimativa de um retorno de quase seis vezes, considerando os menores custos de saúde, aumento da produtividade e um número menor de mortes prematuras.
“Por isso, é essencial que os esforços de gestão de água e saneamento sejam prioridade dos municípios e uma ferramenta como o projeto Gestão das Águas Paulistas visa colaborar com isso e o alcance dos objetivos voltados para o tema em alinhamento com as prioridades estabelecidas na agenda 2030”, afirma Thiago Terada.
“O papel do CRA-SP no Gestão de Águas Paulistas é ser um agente catalisador. Nós entramos e provocamos a reação, não vamos fazer a gestão. Entregamos a informação, a partir daí os agentes e as pessoas podem partir para soluções”, lembra Carvalho.
Confira como funciona a ferramenta:
Evolução do acesso à água e saneamento no Brasil
No cômputo geral, o avanço tanto no acesso à água quanto ao saneamento foi muito pequeno no País. Passados doze anos da promulgação da Lei do Saneamento Básico no Brasil (lei 11.445), metade da população continua sem acesso a sistemas de esgotamento sanitário.
Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), divulgados em fevereiro deste ano, referentes a 2017, apenas 52,4% dos brasileiros têm acesso à coleta de esgoto, o que significa que mais de 100 milhões de pessoas utilizam medidas alternativas para lidar com os dejetos – seja através de uma fossa seja jogando o esgoto diretamente em rios.
Em 2007, quando a Lei do Saneamento Básico foi sancionada, 42% da população era atendida por redes de esgoto. Até 2017, o índice aumentou 10,4 pontos percentuais, o que corresponde a praticamente um ponto percentual por ano. Quanto ao abastecimento de água, apesar de a abrangência ser bem superior à de esgoto, a evolução foi ainda mais lenta: passou de 80,9% em 2007 para 83,5% em 2017, um aumento de apenas 2,6 pontos percentuais. Já o índice de esgoto tratado passou de 32,5% para 46%.
Thiago Terada avalia que “a evolução dos serviços de água e saneamento do País é muito lenta, trazendo não apenas problemas sociais, mas também ambientais, financeiros e de saúde, já que é um fator importante na disseminação de doenças”, ele destaca.
O ODS 6 prevê a universalização do saneamento até 2030, além disso, um plano nacional foi elaborado e lançado em 2014 pelo Governo Federal, com metas de universalização dos serviços -água, esgoto, resíduos e drenagem – até 2033.
“Porém, os investimentos necessários para a universalização de água e esgoto são estimados atualmente em mais de R$ 600 bilhões até 2033. Um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontou que, com o ritmo atual de investimentos, o Brasil apenas conseguirá universalizar o atendimento de água em 2043, e de esgoto, em 2054”, diz Terada.
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Outros exemplos de iniciativas
Existem inúmeros exemplos de gestão de recursos hídricos sendo adotados em outros países e que podem servir de exemplo para ações em território brasileiro.
Um deles é a iniciativa chamada The CEO Water Mandate – elaborada pelo Secretariado Geral da ONU e do United Nations Global Compact – e implementado em parceria com o Pacific Institute.
Formada em 2007, a iniciativa foi criada a partir do conhecimento de que os desafios globais da água criam um risco para uma ampla gama de setores da indústria, o setor público, comunidades locais e para os ecossistemas. Dessa forma, a colaboração intersetorial é o caminho mais eficaz e crível para a segurança da água. O setor privado pode ser um parceiro crítico nesse esforço.
O CEO Water Mandate é uma plataforma de compromisso global para a gestão de água corporativa. Ao endossar a iniciativa, as empresas se comprometem publicamente a desenvolver a gestão da água em todas as seis áreas de compromisso:
- Operações Diretas;
- Cadeia de Fornecimento e Gestão de Bacias Hidrográficas;
- Ação Coletiva;
- Política Pública;
- Envolvimento da Comunidade;
- Transparência.
Atualmente existem cerca de 145 empresas que fazem parte desta iniciativa em todo o mundo, que incluem: AB InBev, The Coca-Cola Company, Danone, Diageo, Dow Chemical, Ecolab, Ford Motor Company, General Mills, H&M, Hilton, Mars, Microsoft, Nestlé, Netafim, Nike, PepsiCo, PVH, Radisson, Siemens, Unilever, e muitas outras.
Estas empresas vêm desenvolvendo projetos que são referência na gestão de recursos hídricos e que poderiam ser implementadas em solo brasileiro. Desde 2017, o CEO Water Mandate vem trabalhando em conjunto com a Rede Brasil do Pacto Global para estabelecer parcerias e criar projetos com as empresas locais.
A Califórnia, nos Estados Unidos, é outro bom exemplo no segmento da gestão dos recursos hídricos. Suas ações para combater a crise hídrica podem ser utilizadas e incorporadas em projetos no Brasil.
O estado da Califórnia enfrentou em 2014 o quarto ano seguido de seca e pôs em prática um amplo conjunto de medidas que incluíram distribuição gratuita de medidores individuais de água para condomínios, tratamento de esgoto para abastecimento de lençóis freáticos e multa por desperdício do recurso.
“As medidas que foram adotadas na Califórnia poderiam servir de lição para o Brasil, que agiu de forma diferente para enfrentar sua crise em hídrica em 2014”, lembra Thiago Terada.
Além de multas e exemplos, o estado norte-americano orientou seus moradores com informação. O site do governo local tem uma página chamada “Seca”, com notícias sobre as iniciativas para combater a falta de água e fotos que ilustram a escassez.
Placares eletrônicos à beira das estradas, normalmente usados para informar congestionamentos, lembram aos motoristas que o estado vive uma seca. “Vasos sanitários com menor consumo de água recebem um selo de eficiência hídrica, semelhante ao selo Procel dos eletrodomésticos brasileiros. O estado também paga US$ 100 a quem comprar produtos com o selo”, conclui Terada.